sábado, 26 de fevereiro de 2022

Que diria Bolsonaro se Ucrânia fosse Amazônia?



Com 48 horas de atraso, o governo brasileiro começou a descer do muro. Bolsonaro continua em silêncio. Mas o representante do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, embaixador Ronaldo Costa Filho, votou a favor da resolução que condenou a Rússia por invadir e bombardear a Ucrânia. Resta agora torcer para que Bolsonaro não desautorize o embaixador, como fez com o vice-presidente Hamilton Mourão. O capitão deveria pensar dez vezes na Amazônia antes de falar sobre a Ucrânia.

Não se vê nenhum sinal ostensivo de que a Amazônia esteja sob risco de invasão estrangeira. Os indícios, se existem, estão muito bem camuflados. Mas Bolsonaro não hesita em avaliar que a preocupação de líderes como o americano Joe Biden e o francês Emmanoel Macron com os destinos da floresta é parte da dissimulação. Enxerga segundas intenções também por trás de doações bilionárias que Noruega e Alemanha acharam conveniente fazer para um fundo dedicado à proteção da floresta. Conveniente demais!

Dias atrás, após encontro reservado no Kremlin, Bolsonaro e Vladimir Putin fizeram uma declaração conjunta. O presidente brasileiro abriu sua manifestação com um agradecimento que não estava no roteiro. Disse o seguinte a Putin: "Quando alguns países questionaram a Amazônia [tratando a região] como patrimônio da humanidade... Eu quero agradecer a sua intervenção, que sempre esteve ao nosso lado em defesa da soberania."

Na mesma fala, Bolsonaro se esforçou para ajeitar o tropeço cometido duas horas antes, quando manifestara a Putin sua "solidariedade" à Rússia. "Somos solidários a todos aqueles países que querem e se empenham pela paz", tentou esclarecer. A despeito de se considerar um especialista em camuflagem, Bolsonaro não enxergou o lobo escondido sob a pele do cordeiro Putin.

Na votação do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil posicionou-se ao lado dos Estados Unidos e da França, alinhando-se a Biden e Macron, os desafetos de Bolsonaro. A resolução tornou-se letra morta ao ser vetada pela Rússia, cujo representante preside o conselho. Mas Putin não se livrou do repúdio coletivo, pois o texto foi aprovado por 11 dos 15 presentes. Empurrada, a diplomacia brasileira postou-se do lado certo.

Quem ficou aliviado com o momentâneo reposicionamento do Brasil precisa torcer para que Bolsonaro questione os botões do seu pijama antes de se encontrar com o travesseiro: "E se a Ucrânia fosse a Amazônia?" O principal déficit da atual política externa do país está entre as orelhas do presidente.

Por Josias de Souza

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