‘Está entendendo como funciona?’
O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), deu uma explicação muito didática sobre o posicionamento da gestão de Jair Bolsonaro a respeito da desoneração de combustíveis e que vale para praticamente qualquer assunto que é debatido no Legislativo: “O governo não tomou nenhuma iniciativa para mandar nenhuma Proposta de Emenda à Constituição (para desonerar combustíveis). É o presidente Bolsonaro que diz querer zerar os tributos dos combustíveis. O presidente Bolsonaro é contra a vacina, e o governo dá vacina para todo mundo, está entendendo como funciona?”.
Sim, deputado, o País já entendeu perfeitamente bem como funciona: Bolsonaro, eleito com 55 milhões de votos, é um presidente decorativo, cujas determinações são ignoradas por seu próprio governo e por seus aliados no Congresso. A bem da verdade, é uma sorte danada que as sandices de Bolsonaro não sejam levadas a sério nem na Esplanada dos Ministérios, mas a esdrúxula situação mostra a que ponto o presidente esculhamba o cargo que ocupa.
Alvo de críticas na mais recente ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), as propostas de isenção de tributos sobre combustíveis da Câmara e do Senado são tão irresponsáveis quanto irreais. Qualquer presidente sensato não cogitaria abrir mão de uma arrecadação estimada em até R$ 100 bilhões em troca de uma incerta redução de centavos no preço final ao consumidor. De quebra, como destacou o Copom, as medidas podem acelerar a já pressionada inflação, desvalorizar ainda mais o real ante o dólar e exigir a continuidade do ciclo de aperto na taxa básica de juros.
Depois de três anos, esperar sensatez de Bolsonaro é ingenuidade, mas as explicações de Ricardo Barros jogam luz no cenário político: o que Bolsonaro diz não tem valor, e o apoio do senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, a uma das propostas de desoneração, contrariando o Ministério da Economia, só confirma o divórcio entre o presidente e seu próprio governo. “Bolsonaro disse que quer zerar impostos dos combustíveis, certo? Como o governo não escreve o texto para isso, porque é contra, quem deveria escrever o texto? A Economia, mas a Economia é contra, não quer escrever o texto, e aí o Parlamento está tomando uma iniciativa”, afirmou Ricardo Barros.
É aqui que o líder do governo escancara o fato de que nem a opinião do ministro da Economia, Paulo Guedes, que assentiu com o desmonte constitucional das regras fiscais, precisa ser levada em conta. Em certo ponto, Barros até tem razão, dado que o supostamente liberal Paulo Guedes já se mostrou favorável a subsidiar o diesel e a indústria, com a redução linear das alíquotas do IPI. Diante de uma administração que se recusa a governar e que não sabe o que quer, o País assiste ao triunfo de um parlamentarismo de ocasião e precisa contar com a responsabilidade de uns poucos heróis que restaram. Salvo esparsas iniciativas vindas de outras áreas do Executivo, o Centrão reina sozinho.
Se Ricardo Barros foi quem melhor traduziu o valor de face do pensamento bolsonarista e a resposta do Legislativo a essas sandices, coube aos especialistas do Fundo Verde definir o trabalho do Ministério da Economia. O fundo, que apresenta retornos consistentes desde sua criação, classificou a proposta de eliminar os impostos sobre os combustíveis como “um desvario completo”, algo “que não resiste a um minuto de considerações sobre sua qualidade ou conveniência”. “O governo Bolsonaro chega ao fim de maneira praticamente indistinguível do governo Dilma do ponto de vista econômico, bem como o ministro da Economia converge para o ministro da Fazenda que gerou o maior desastre econômico de que se tem registro”, diz o relatório. “Quem poderia imaginar que o governo eleito em 2018 acusando o governo petista de instaurar o comunismo e implementar políticas econômicas totalmente equivocadas iria começar o último ano de seu mandato recorrendo às piores práticas do governo petista?” Como diz o título da análise, trata-se da mais perfeita representação de “terraplanismo econômico”.
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