Se não estivesse gravado, seria difícil acreditar. Quando os tanques russos já se aproximavam da fronteira da Ucrânia, um ministro brasileiro assegurou que o mundo podia dormir tranquilo. Segundo Gilson Machado, Vladimir Putin teria desistido da invasão ao ouvir uma “mensagem de paz” de Jair Bolsonaro. “Graças a Deus, já foram retiradas as tropas e não se fala mais em guerra”, decretou.
O dublê de ministro e sanfoneiro não delirou sozinho. Apenas repetiu para as câmeras a mentira que circulava nas redes bolsonaristas. Desde que o capitão pisou no Kremlin, no início da semana passada, a fábrica das fake news trabalhou pesado. Com memes e notícias falsas, propagou a cascata de que o Mito teria evitado a Terceira Guerra Mundial.
A viagem de Bolsonaro produziu pouco resultado e muito constrangimento. Empenhado em bajular Putin, ele ignorou as ameaças à Ucrânia e disse ser “solidário à Rússia”. A fala afrontou a Constituição, que obriga a política externa brasileira a respeitar os princípios da não intervenção e do respeito à autodeterminação dos povos.
A ação militar de ontem expôs o tamanho da trapalhada do capitão. Alheio às lorotas bolsonaristas, o Kremlin deflagrou a guerra e lançou o planeta num momento de incerteza. O Itamaraty subiu no muro para não contrariar o presidente. Divulgou uma nota envergonhada, que evita condenar a invasão e pede a “solução pacífica das controvérsias”.
Até o fim do dia, Bolsonaro fingiu ignorar o ataque de Putin. No cercadinho do Alvorada, posou para selfies e perguntou o placar do jogo do Palmeiras. À tarde, cumpriu agenda de candidato e passeou de moto no interior paulista. Só tratou da crise internacional à noite, para desautorizar o vice-presidente Hamilton Mourão.
O general havia declarado que o Brasil “não está neutro” e “não concorda” com a violação do território ucraniano. O capitão respondeu que ele “deu peruada” e opinou sobre o que “não lhe compete”. Coadjuvante do monólogo presidencial, o ministro Carlos França se esquivou entre generalidades e informações de serviço consular. Para não perder o hábito, foi submetido a outra humilhação pública. Bolsonaro exibiu uma foto de si mesmo e perguntou se estava bonito. “Muito bom, presidente”, concordou o chanceler.
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