terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Bolsonaro muda de ramo criminoso: do de responsabilidade para o eleitoral


Sede do TSE. Justiça Eleitoral precisa ser acionada para que haja a possibilidade de Bolsonaro
 pagar também pelos crimes eleitorais 
Imagem: Daniel Teixeira/Estadão

O presidente Jair Bolsonaro não governa mais o Brasil. Agora, ele está "em guerra". Os leitores podem indagar: "Reinaldo, alguma vez ele governou?" A pergunta, de resposta óbvia, faz sentido...

O cara da farofa teve dois compromissos oficiais no interior do Rio ontem: em Itaboraí e São João da Barra — acompanhado, nesse caso, pelo clã Garotinho. La estavam Anthony e Rosinha, ambos ex-governadores que acabaram na cadeia, e os filhos do casal Clarissa, deputada federal (PROS), e Wladimir (PSD), prefeito de Campos dos Goytacazes.

O presidente discursou nas duas cidades e disse que a disputa eleitoral será uma "guerra". A metáfora é obviamente imprópria porque, em confrontos dessa natureza, no mais das vezes, há duas opções: matar ou morrer.

Nem a guerra é um vale-tudo, mas a disputa eleitoral, para o presidente, é. Hoje, as pesquisas apontam que ele perderia para qualquer um dos possíveis postulantes, com a possibilidade de Lula vencer já no primeiro turno. Então Bolsonaro escolhe aquele que é seu campo habitual de batalha: o jogo sem regras.

Na primeira cidade, afirmou, referindo-se a Lula:
"O mesmo cara que quase quebrou o país de vez, que destinou um prejuízo de quase um trilhão de reais da Petrobras, quer voltar à cena do crime".

O país esteve muito longe de quebrar nas duas gestões do ex-presidente. Recebeu, diga-se, o selo de bom pagador das agências internacionais de risco e passou a "Grau de Investimento" pela primeira vez na história. Perdeu essa condição e não a recuperou mais. Quanto ao prejuízo de "quase um trilhão" da Petrobras, dizer o quê? Trata-se de uma mentira estúpida. Mero número saído do nada para que seus malucos o repitam nas redes sociais.

Foi adiante:
"Estamos numa guerra. Se aquele bando, aquela quadrilha, voltar, não vai ser apenas a Petrobras que vai ser arrasada. Vão roubar a nossa liberdade".

Volta e meia, ele se sai com essa tal "nossa liberdade". Desde a redemocratização, o único que ameaçou o país com golpe de Estado foi mesmo um certo... Jair Bolsonaro. E previu ainda que, se eleito, Lula terá Dilma e José Dirceu como ministros. Voltou a brandir o fantasma da venezuelização.

O presidente estava acompanhado dos ministros Ciro Nogueira (Casa Civil), João Roma (Cidadania), Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura) e Bento Albuquerque (Minas e Energia). Em seu discurso em Campos, Roma agradeceu ao chefe pelo "maior programa social da história do país". Ele se referia ao Bolsa Família, que Lula criou.

Olhem, todas essas tolices podem ser rebatidas com facilidade. O ex-presidente já disse que Dilma não será ministra. Dirceu ainda tem pendências judiciais incompatíveis com cargos públicos. E é sabido que nem ele tem a menor disposição para isso, embora continue militante do PT e fazendo política, o que é um direito assegurado pela Constituição.

Política tem lá suas caneladas e pescoções metafóricos, mas é um jogo com regras. E resta evidente que Bolsonaro demonstra disposição para ignorá-las. O que ele fez nesta segunda-feira tem nomes:
- campanha eleitoral antecipada;
- uso irregular de recursos públicos para financiar campanha.

Estamos falando de crimes eleitorais. É claro que não se espera que, durante a campanha, ele vá ficar recluso no Palácio do Planalto ou no da Alvorada. Gosta de rosetar suas indignidades por aí. Mas terá de fazer a devida distinção, como já fizeram outros que o antecederam, entre os atos de governo e os da campanha.

O que ele fez nesta segunda-feira constitui crime eleitoral. Temos de ficar atentos para ver se as instituições vão funcionar. Afirmar que aquilo que ele fez não pode ser considerado campanha eleitoral porque nem ele nem Lula são ainda candidatos não é legalismo burro, mas cinismo burro.

O PORCALHÃO DA FAROFA
Será que esse troço um dia passa? Todos vimos aquele vídeo patético da farofa, em que Bolsonaro tenta posar de homem do povo. Foi filmado pela equipe da Presidência da República. Portanto, aquele Bolsonaro desleixado, repugnante, pouco asseado é uma construção política. É o modo como Carlucho e seus magos acreditam que o presidente vai se parecer comum, como homem do povo -- o que é, obviamente, ofensivo.

Assistiremos, até a eleição, a muitos outros episódios detestáveis de desrespeito à lei e de populismo da autodepreciação". Há, nessa postura, uma leitura que é também religiosa, importada pelo bolsonarismo de correntes evangélicas nos EUA. A sua máxima é a de que Deus escolhe, muitas vezes, o reles e o ordinário para realizar a sua grande obra. Bolsonaro pode ser esse sem esforço.

"Mas que vantagem há, Reinaldo, em se exibir daquela maneira miserável ao público?"

É como se dissesse:
"Olhem como sou imperfeito, como falo e faço coisas erradas, como digo asneiras. E, no entanto, o presidente sou eu porque fui escolhido por Deus."

Não vai ser fácil! A campanha já foi notavelmente suja e agressiva quando Bolsonaro nada tinha a perder. Agora ele tem.

Por Reinaldo Azevedo

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