sábado, 12 de fevereiro de 2022

Para aliados, 'síndrome de Trump' emperra campanha à reeleição de Bolsonaro



Aliados de Bolsonaro receiam que o negacionismo e o discurso antivacina tenham convertido o presidente numa espécie de bola de ferro de si mesmo. Em conversa com a coluna, um operador do centrão disse que a campanha à reeleição sofre os efeitos da "Síndrome de Trump". O autor da expressão não jogou a tolha. Ao contrário, diz ser um "soldado do capitão". Mas avalia que "o empenho da tropa será inútil se o candidato não for convencido de que precisa ajudar a si mesmo."

Bolsonaro cavalga a mesma sensação de invulnerabilidade que infectou o projeto político de Donald Trump. Na percepção dos seus correligionários, o presidente repete no Brasil a trajetória do seu ídolo americano. Com uma diferença: Trump perdeu o trono da Casa Branca para Joe Biden, um adversário que tem o carisma de uma pedra de gelo. Bolsonaro frequenta um longínquo segundo lugar em pesquisas lideradas por Lula, personagem que os ex-aliados do centrão enxergam como "encantador de serpentes."

Coordenador da campanha do pai à reeleição, o senador Flávio Bolsonaro fez uma concessão ao óbvio, admitindo pela primeira vez em público que a encrenca da vacina produziu um estrago político. Em entrevista ao Globo, Flávio contou que manuseia pesquisas próprias. Segundo ele, as sondagens "mostram que a questão da vacina gerou um desgaste."

O senador não entrou em detalhes. Absteve-se de mencionar pesquisa encomendada por Valdemar Costa Neto, chefão do PL, o partido de Bolsonaro. Nesse levantamento, exibido ao presidente há duas semanas, sua taxa de rejeição atingiu um nível que os aliados consideraram radioativo. O discurso antivacina emergiu como principal causa da aversão que Bolsonaro passou a despertar em quase sete de cada dez eleitores.

Flávio divide com lobos do centrão o comitê que cuida da pré-campanha de Bolsonaro. Gente como Valdemar e o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, que pertence à alcateia do PP. A entrevista de Flávio foi vista como uma evidência de que as preocupações de Valdemar e Ciro, cujo apoio costuma ter prazo de validade, sensibilizaram o primogênito da família Bolsonaro. Entretanto, a ficha do patriarca ainda não caiu.

Na sua entrevista, Flávio deu a entender que o pai começa regular os lábios. "De duas semanas ou três semanas para cá, ele já deu uma mudada na postura", disse o senador. "Ele já entendeu que não adianta deixar coisas mal explicadas, pois serão exploradas contra ele." A realidade sinaliza o contrário. Nesta semana, em viagem ao Nordeste, Bolsonaro repetiu a cantilena segundo a qual não cometeu erros durante a pandemia. Voltou a atirar contra prefeitos, governadores e o Supremo Tribunal Federal.

Na campanha em que foi derrotado por Biden, Trump chegou a abandonar o comportamento patológico. A exemplo de Bolsonaro, contraiu Covid. Teve que ser hospitalizado. Trocou o negacionismo pelas vacinas. Comprou todas as que estavam disponíveis. Mas a inversão da estratégia foi tardia. Rendeu a Trump apenas um tímido reconhecimento do sucessor de que encontrou os estoques do serviço de saúde abastecidos de imunizantes.

Desde o início da pandemia, Bolsonaro teve mais de dois anos para escolher de que lado da Terra plana iria saltar. A oito meses da eleição, continua acorrentado a uma agenda tóxica. A vacinação já chegou às crianças. Os idosos já oferecem o braço à quarta dose. E o presidente demora a libertar o Ministério da Saúde da obsessão pela cloroquina.

Ironicamente, a despeito da teimosia anticientífica e do patrocínio aos desastres Pazuello e Queiroga, Bolsonaro caminha em direção às urnas tendo à disposição o discurso segundo o qual todos os brasileiros que desejaram se vacinar encontraram vacinas nos postos de saúde. Mas, em vez de concentrar sua retórica nas vacinas e no socorro aos brasileiros pobres, o presidente repete com a vacinação das crianças o roteiro que retardou a imunização dos adultos.

O ajuste retórico que Flávio Bolsonaro identificou nos discursos do pai não passa de um tímido avanço separado da conversão pretendida por uma expressão que persegue o presidente: "Por outro lado". Num dos comícios que realizou no Nordeste nesta semana, Bolsonaro estufou o peito como uma segunda barriga para bradar: "O governo sempre esteve ao lado de vocês. No tocante à vacina para a Covid, toda e qualquer vacina foi comprada pelo governo federal."

Por outro lado, o orador fez questão de desestimular a vacinação, repetindo que seu governo ofereceu as vacinas "de forma não obrigatória." Enfatizou: "Cada um que faça seu juízo e tome ou não sua vacina. É um direito de cada um de vocês. Jamais o governo federal vai exigir de vocês passaporte vacinal." Como Bolsonaro não se vacinou, prevalece a convicção coletiva de que ele faz por pressão o que deveria ter feito por opção. E deixa bem claro que age a contragosto.

A conspiração contra a vacina e a insensibilidade com as vítimas da Covid não são os únicos problemas da campanha de Bolsonaro. O candidato chega a 2022 sem condições de repetir a encenação de 2018. Em três anos de mandato, virou-se do avesso. Vendera-se ao eleitorado como um político antissistema, anticorrupção e pró-liberalismo econômico. Hoje, é dependente do sistêmico centrão, chefia a organização familiar da rachadinha e humilha o ex-superministro Paulo Guedes, soterrando sua agenda de reformas liberais sob os escombros do fisiologismo orçamentário e do populismo eleitoral.

Por Josias de Souza

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