Bolsonaro se encontra com a deputada Beatrix von Storch, do partido Alternativa para a Alemanha, coalhado de neonazistas. Ela mesma é neta de um velho... nazista! Imagem: Reprodução/Instagram |
Jair Bolsonaro não tem cura. É autoritário até quando, na aparência ao menos, defende uma ideia correta. Vistas as coisas de perto, está apenas tentando se vingar de um ex-aliado que desertou. Adicionalmente, produz ainda mais obscurantismo.
O presidente resolveu pegar carona na polêmica surgida no podcast Flow. Monark, um dos comandantes da atração — foi afastado e está deixando a empresa —, afirmou que os nazistas deveriam ter o direito de criar o seu partido no Brasil. O deputado Kim Kataguiri, que está migrando para o Podemos de Sergio Moro, disse, por seu turno, que acha errado a Alemanha ter criminalizado o nazismo. Embora tenha manifestado repulsa pela ideologia genocida, sustentou que é melhor que exista às claras para que seja combatida. Penso, por óbvio, que o melhor é que seja combatida às claras para que não prospere.
Bem, os dois tentaram, num primeiro momento, se apegar ao suposto exercício da liberdade de expressão, mas não conseguiram resistir aos embates e decidiram pedir desculpas, admitindo o erro. A PGR abriu investigação contra o deputado e o apresentador, este também alvo do Ministério Público de São Paulo.
Bolsonaro foi ontem ao Twitter — isto é, alguém foi por ele — para escrever um textão em pílulas. Não citou nomes. Mandou ver.
"A ideologia nazista deve ser repudiada de forma irrestrita e permanente, sem ressalvas que permitam seu florescimento, assim como toda e QUALQUER ideologia totalitária que coloque em risco os direitos fundamentais dos povos e dos indivíduos, como o direito à vida e à liberdade.
É de nosso desejo, inclusive, que outras organizações que promovem ideologias que pregam o antissemitismo, a divisão de pessoas em raças ou classes, e que também dizimaram milhões de inocentes ao redor do mundo, como o Comunismo, sejam alcançadas e combatidas por nossas leis.
O fato de uma ideologia repugnante como a nazista ter destruído milhões de vidas exige que tenhamos extrema responsabilidade e seriedade na hora de tratar do tema, não deixando espaço para a calúnia, a difamação e a sua banalização. Não se combate uma injustiça com injustiças.
Importante lembrar que existem ainda aqueles que, na busca implacável pelo poder, banalizam essa página triste da história da humanidade e instrumentalizam a sensibilidade humana para praticar exatamente aquilo que dizem combater, assassinando reputações e destruindo pessoas.
Assim, reitero todo nosso apoio ao povo judeu, que hoje sofre não só com as cicatrizes deixadas pela história, mas também com o desrespeito daqueles que banalizam um assunto tão grave, rotulando tudo e todos na ânsia de conquistar ainda mais poder e controle sobre as pessoas.
Tenho muito orgulho de ser o presidente que mais aproximou o nosso país dos judeus, seja intensificando as relações bilaterais com Israel, seja apoiando iniciativas importantes, como a Aliança Internacional de Memória do Holocausto (IHRA), na qual ingressamos em meu governo.
E a quem realmente insiste em defender a divisão de pessoas por raça/etnia, o controle total pelo Estado, a violação de liberdades, que são premissas do nazismo; bem como a quem, num desrespeito cruel ao povo judeu, banaliza um fato grave para promoção política, fica a lição:
Somos um povo maravilhoso, acolhedor. Repito: em uma família brasileira há mais diversidade do que em qualquer nação no mundo. O Brasil nunca terá solo fértil para o totalitarismo porque o amor pela liberdade corre em nossas veias. Quem deseja o contrário está do lado errado.
Que o momento seja de reflexão, de amadurecimento, a respeito de qual ambiente queremos criar para o Brasil. Tenhamos todos mais juízo e responsabilidade. Precisamos continuar trabalhando pelo futuro de nossa nação.}
- Boa Noite a Todos!
- PR Jair Messias Bolsonaro.
Olhe aí o rei do bom senso falando. Uma nota à margem. No Rio Grande do Norte, ao atacar o Supremo, afirmou:
"Não têm do que nos acusar, a não ser 'grosso', 'fala palavrão', 'insensível', 'não é democrata'. Eu não prendi nenhum deputado. Eu não desmonetizei página de ninguém. Eu não ameaço ninguém, mesmo os que me ofendem, me atacam. E se tiver algo contra alguém, será no campo da injúria, calúnia, e difamação, e nunca prisão."
A bobagem é formidável. Parece querer legalizar os crimes contra a honra, naturalizando-os. Nos tweets que escreveram para ele, no entanto, calúnia e difamação são execradas. Mas esse é o menor de seus males.
CREDENCIAIS
É claro que Bolsonaro tenta tirar uma casquinha da audiência, até porque o deputado Kataguiri é hoje um desafeto seu e dos seus filhos, embora o tenha apoiado no segundo turno em 2018, com direito a fotos. Eduardo, note-se, está entre aqueles que pretendem denunciá-lo ao Conselho de Ética da Câmara por quebra do decoro parlamentar.
Qual é a sinceridade do suposto discurso antitotalitário de Bolsonaro? Recebeu no Brasil a deputada Beatrix von Storch, do "Alternativa para a Alemanha", partido de extrema direita coalhado de nazistas. A mulher é neta do mais longevo ministro de Hitler, Lutz Graf Schwerin von Krosigk, que comandou as finanças da Alemanha na era do terror. Mesmo com a morte do tirano e com a derrota da Alemanha, tentou liderar um enclave nazista.
Este defensor da liberdade concedeu "entrevista" a dois delinquentes alemães — Vicky Richter e Markus Haintz — ligados ao Querdenken ("pensamento lateral"). É um movimento antivacina que está na base da fundação de um partido (!!!) que tem o propósito de combater os imunizantes. Promovem atos em conjunto com neonazistas.
CRIMINALIZAÇÃO DE ADVERSÁRIOS
Ah, não! Bolsonaro não quer criminalizar a pregação nazista no Brasil, que crime já é, é bom notar. No fim das contas, olhem a malandragem!, quer usar a suposta repulsa ao nazismo para defender uma tese autoritária -- que, infelizmente, note-se, existia de forma larvar, ou nem tanto, nas considerações de Monark e Kataguiri.
Bolsonaro está interessado, vejam ali, em criminalizar o comunismo. O deputado Eduardo Bolsonaro tem uma proposta com esse conteúdo. Pressuposto falso: "O nazismo matou milhões e é proibido. O comunismo também matou. Proíba-se igualmente". Espelha o erro de Monark: "O comunismo matou milhões e não é proibido, por que o nazismo é?".
Porque é insustentável a tese de que, como valores ideológicos, comunismo e nazismo são apenas totalitarismos gêmeos e espelhados. Os regimes liderados por Stalin, Mao e Pol Pot mataram milhões. E isso é inquestionável. Mas desconheço militância comunista no mundo que traga consigo, como valor imanente, a ideia do extermínio em massa de indivíduos. "Ah, querem acabar com a burguesia..." Ainda que assim fosse e que tal discurso tivesse hoje alguma viabilidade, isso não suporia necessariamente matar os burgueses — se é que essa conversa faria sentido nesses termos. Mais: o comunismo, como tese, precede o morticínio. O nazismo, também como tese, supõe o extermínio.
O antissemitismo já existia muito antes do nazifascismo — o termo é mais adequado —, mas inexiste nazifascismo sem antissemitismo e eliminação de outras maiorias. De resto, ainda que o esforço fosse banir o comunismo como "ideologia exótica e totalitária", haveria de se perguntar: o que é que o bolsonarismo chama "comunismo"? Quanto são, no Brasil, fora dos delírios olavescos que povoam as trevas, os "comunistas" de verdade? Qual é o seu poder de fogo?
Releiam o texto de Bolsonaro: os comunistas que o Dudu Bananinha quer pôr na ilegalidade são sinônimos daqueles que divergem, no fim das contas, de sua visão de mundo. Até a Globo é comunista!!! Ora, lembremo-nos de que as hostes bolsonarianas associam a vacinação em massa a um plano totalitário. Os que se querem mais espertos classificam os planos de imunização de "nazistas".
De resto, arremato reiterando que o antissemitismo é parte constitutiva do nazifascismo, sim, mas outras comunidades vulneráveis também foram submetidas a planos de extermínio.
A versão contemporânea desse pensamento — os chamados neonazistas — também tem como alvos os negros, os homossexuais, o movimento feminista, as esquerdas em geral, revolucionárias ou não... Isso lembra alguma coisa no Brasil?
Sempre que Bolsonaro fala "na nossa liberdade", convém indagar quem está sendo transformado em alvo.
De resto, os grupos neonazistas se multiplicaram no Brasil nos últimos três anos. Adivinhem quem é considerado um aliado, vamos dizer, espiritual da causa... Afinal, têm inimigos comuns: os "comunistas", os gays, as feministas...
Por Reinaldo Azevedo
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