O governo está brincando com fogo perto do tanque de gasolina. A inflação está alta, disseminada e persistente. As projeções dos economistas indicam queda nos próximos meses, mas essas previsões podem mudar porque o cenário está mudando. Há um ano, o mercado previa 3,5% para a inflação de 2021 e deu mais de 10%. O governo patrocina propostas que representam gastos de R$ 50 bilhões a R$ 100 bilhões e prepara novos truques para burlar as regras fiscais. Isso alimenta a inflação futura. As bombas fiscais estão sendo armadas pelo próprio governo Bolsonaro, por desespero diante das pesquisas de intenção de voto que são todas desfavoráveis ao presidente.
O IPCA de janeiro desacelerou em relação a dezembro, mas disso já se sabia. O acumulado em 12 meses voltou a subir para 10,38%. Pior, a inflação dos mais pobres foi de 0,67% e o acumulado, 10,60%. Um índice nesse nível é sensível a qualquer nervosismo, a qualquer choque, como dizem os economistas. Cenas explícitas de populismo eleitoreiro e sinais de que o ministro da Economia foi esvaziado são combustíveis para a alta do dólar que alimenta a escalada dos preços.
A inflação está generalizada. Dos nove grupos, oito subiram. O único que não subiu foi por fatores específicos. Caíram os preços do grupo transportes, por causa da gasolina, das passagens aéreas e da diminuição do gás. Houve ainda a redução da conta de luz por causa do bônus para quem cortou o consumo. Mas isso não se repetirá.
A ideia de gastar R$ 100 bilhões eliminando todos os impostos sobre combustíveis e energia e ainda dando um vale-diesel para o caminhoneiro é tão incendiária, do ponto de vista fiscal, que todo mundo entendeu qual é a jogada. Diante dessa, qualquer outra poderá parecer aceitável. Esse é o truque. Mas não há proposta aceitável de subsídio a combustível fóssil, ainda mais quando ele é linear e favorece também o dono do carro de luxo.
A assinatura da proposta kamikaze pelo próprio filho do presidente, senador Flávio Bolsonaro, junto com quatro senadores da base, três deles do PL, já seria o suficiente para mostrar de onde vem a bomba fiscal. Mas há outros indícios do DNA de todas os projetos que arrombam os cofres públicos. A primeira ideia foi formulada dentro da Casa Civil. O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, foi claro: “O presidente Bolsonaro disse o seguinte: eu quero zerar os impostos federais dos combustíveis.” Então esse é o autor primeiro das bombas fiscais que estouram sobre o cofre do Tesouro: o presidente da República.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, em entrevista ao “Estado de S.Paulo”, na terça-feira, disse que faltou apoio ao projeto liberal. O que deveria ter dito é que Bolsonaro sabotou a ideia, até porque ele sempre foi intervencionista. Quando os jornalistas perguntaram a Guedes se ele temia que o presidente abrisse os cofres e aumentasse os gastos descontroladamente, ele respondeu que “sempre houve confiança e respeito entre nós”. A primeira lealdade do ministro da Economia é com Bolsonaro e não com o equilíbrio fiscal. É por isso que ele disse no fim da entrevista que “a gente tem simpatia pela proposta de zerar os tributos do óleo diesel, cujo impacto fiscal deve ser de R$ 17 bi ou R$ 18 bilhões ao ano, o que seria um mal menor”.
Num país com gritantes prioridades, o que o ministro está dizendo é que está disposto a aceitar que o governo subsidie o diesel do caminhoneiro, mas também o das frotas das grandes empresas de logística e dos carros SUV de alto valor. Não faz sentido econômico, social e ambiental nem mesmo esse “mal menor”.
O Banco Central mudou de tom não por acaso. Os riscos fiscais estão aumentando com o colaboracionismo do Ministério da Economia ao assalto populista aos cofres públicos, no meio de uma conjuntura de alta inflação e muita incerteza. Neste momento, as projeções ainda indicam queda da inflação nos próximos meses, mas o risco é a deterioração das expectativas como no ano passado. Se o governo aprovar qualquer uma das propostas de bondades fósseis, os preços vão cair num primeiro momento. Depois, virá o efeito bumerangue, e eles voltarão a subir. É diante desse risco que o país está agora.
Por Miriam Leitão
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