O descumprimento pelo Congresso de decisão judicial sobre a publicidade das emendas de relator é parte do retrocesso institucional instaurado pelo bolsonarismo
São conhecidos os ataques e as ameaças do bolsonarismo contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Ao constatar a disposição do Judiciário em defender a Constituição – é a Justiça, e não o Congresso ou mesmo a oposição, que tem recordado os limites institucionais da Presidência da República –, Jair Bolsonaro transformou os ministros do Supremo em inimigos políticos. Mais do que Luiz Inácio Lula da Silva, seriam os membros do STF que demandam a constante mobilização dos bolsonaristas.
Inédita desde a redemocratização do País, essa atitude de confronto por parte do presidente da República contra o Judiciário expressa-se de diversas maneiras. Por exemplo, Jair Bolsonaro fala abertamente em deturpar o funcionamento do STF, prometendo usar as indicações presidenciais tanto para diminuir a independência da Corte como para aparelhá-la ideologicamente. Para piorar, Jair Bolsonaro apresenta esse aparelhamento do Judiciário como uma espécie de diferencial eleitoral. Só o bolsonarismo estaria disposto a realizar esse enviesamento ideológico e negacionista do Supremo.
Trata-se de desavergonhada promoção do retrocesso institucional. Ignorando a Constituição, Jair Bolsonaro trata o Supremo como mero ator político – e ainda subalterno ao Executivo. Essa manipulação não é apenas um erro teórico. Ela gera graves prejuízos ao País. Depois que o lulopetismo instalou a divisão do “nós contra eles”, o bolsonarismo tenta agora inserir o Supremo na mesma odiosa polarização.
Tem-se, assim, um cenário de desrespeito ao Estado Democrático de Direito, em especial a um de seus mais importantes elementos: o sistema de freios e contrapesos, que regula todo o funcionamento dos Poderes. O problema não se resume, portanto, à pretensão de Bolsonaro de agir fora dos limites constitucionais, o que por si só é grave. Sob a égide da bagunça bolsonarista – como se tudo fosse mera política, como se tudo ao final dependesse não das regras institucionais, mas da esperteza de cada um –, o peso da lei e, por consequência, o peso das decisões judiciais perdem importância.
Veja-se, por exemplo, o descumprimento pelo Congresso da decisão do STF sobre a publicidade do repasse das verbas públicas envolvendo as emendas de relator, como mostrou o Estadão. Após a revelação, no ano passado, por este jornal, do esquema do orçamento secreto – dinheiro público era usado para atender a interesses políticos discricionários, sem a devida transparência –, o Supremo determinou, entre outras medidas, que o Legislativo devia informar o nome do parlamentar que apresentou o pedido de verba. Trata-se de informação essencial numa democracia.
No entanto, o Congresso não vem cumprindo integralmente a determinação do Supremo. Por exemplo, entre 13 e 31 de dezembro do ano passado, o relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (PSL-AC), registrou no site do Congresso indicações no valor de R$ 4,3 bilhões, mas em 48% dos repasses os nomes dos parlamentares que apadrinharam esses pedidos não foram apresentados.
Além disso, as informações incluídas por Márcio Bittar não cobriram a totalidade do valor empenhado no período para as emendas de relator, da ordem de R$ 6,6 bilhões. Ou seja, além de a publicidade sobre R$ 4,3 bilhões ser incompleta, também não se sabe como ocorreu o repasse em relação a outros R$ 2,3 bilhões, se foram parlamentares que apresentaram os pedidos de repasse ou se foi o Executivo federal quem definiu o destino desses recursos.
É muito dinheiro público gasto sem a devida transparência. Ainda que fosse apenas um centavo, é muito descaramento essa parcial divulgação dos dados exigidos pelo Supremo. Num Estado Democrático de Direito, decisão judicial deve ser cumprida, e ponto final.
Engana-se quem pensa que os ataques de Jair Bolsonaro contra o Supremo e o descumprimento do Congresso de decisão da Corte são fenômenos independentes. A malemolência do Legislativo em dar plena publicidade aos dados das emendas de relator é parte do retrocesso institucional instaurado pelo bolsonarismo. É urgente restaurar o valor do STF – e da lei.
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