Em condições normais, o Brasil seria mero figurante no enredo que desaguou na guerra iniciada pela Rússia na Ucrânia. Mas Bolsonaro —por ação e omissão— converteu o Brasil em protagonista de um eloquente fiasco diplomático. Agiu equivocamente ao solidarizar-se com os russos em visita a Vladimir Putin. Omite-se desastrosamente ao se abster de condenar com a veemência devida a invasão russa ao território ucraniano. Bolsonaro prefere condenar a "peruada" do seu vice, Hamilton Mourão, que comparou a movimentação de Putin ao expansionismo da Alemanha nazista, defendendo o socorro militar do Ocidente à Ucrânia.
Ironicamente, a negligência do presidente acomoda o Brasil ao lado da China, uma das nações mais execradas por Bolsonaro e pelo bolsonarismo. Os dois países contemporizaram com o Kremlin, evitando a condenação explícita aos ataques contra a Ucrânia. Esquivaram-se de apoiar sanções econômicas contra a Rússia. Numa nota vaga, o Itamaraty limitou-se a informar que acompanha o conflito com "grave preocupação" e a rogar pela "suspensão imediata das hostilidades".
O dia histórico de 24 de fevereiro de 2022, data em que Putin virou a página da história para trás, o mundo acordou com dois barulhos. O som das bombas que caíam desde a noite anterior sobre a Ucrânia e o ruído do vozerio dos líderes das nações democráticas que condenaram a Rússia nas primeiras horas do dia.
Bolsonaro despertou em silêncio. No cercadinho do Alvorada, perguntou sobre o placar do jogo do Palmeiras. Na cidade paulista de São José do Rio Preto, fez comícios disfarçados de inaugurações antes de um passeio motocicleta com seus devotos. À noite, na transmissão ao vivo pela internet, o presidente constrangeu o chanceler Carlos França, convertendo-o em adereço de mais uma live patética.
No futuro, quando os historiadores puderem falar sobre essa tragédia sem ter que aguardar pela atualização do número de mortos, de feridos e de refugiados, reservarão um parágrafo num rodapé de página para mencionar o silêncio cúmplice de um capitão precário que passou pela Presidência do Brasil.
Por Josias de Souza
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