Numa promessa eleitoral da campanha de 2006, Lula comprometeu-se a retirar do papel em três anos a obra de transposição do Rio São Francisco. Decorridos 16 anos, Bolsonaro realiza no Nordeste hipotéticas inaugurações de trechos da velha promessa do seu rival.
A transposição, ainda inacabada, virou um ponto fixo da política nacional, diante do qual quatro presidentes da República já fizeram pose de tocadores de obra: Lula, Dilma, Temer e Bolsonaro.
Nos planos originais, o sertão seria irrigado até 2010. Era conversa mole. Dezessete dias antes de passar a faixa presidencial para Dilma, que coordenava a obra como ministra, Lula fez uma "visita sentimental" ao canteiro da transposição. Ele refez suas previsões:
"Estou percebendo que a obra vai ser inaugurada definitivamente em 2012, a não ser que aconteça um dilúvio?"
O sertanejo não viu nem o dilúvio nem as águas do São Francisco nos canais da transposição. Dilma transferiu o término da obra para 2015, primeiro ano do seu segundo mandato. Madame foi deposta em 2016 sem cortar a fita da obra.
Nos primeiros meses do seu mandato-tampão, Michel Temer incluiu a transposição como prioridade cenográfica de um plano de retomada de obras inacabadas. Deu em nada. A prioridade de Temer foi salvar o próprio pescoço.
Agora, suprema ironia, Bolsonaro leva sua candidatura para passear em quatro estados nordestinos, incorporando a obra inacabada de Lula ao arsenal que utiliza no embate eleitoral que tem o petista como principal rival. "Com o PT não ia sair nunca essa obra aqui", discursou Bolsonaro, empoleirado na carroceria de uma caminhonete.
Hoje, as projeções mais otimistas empurram a conclusão da obra para 2024. O custo previsto inicialmente seria de R$ 4,5 bilhões. Pelas contas de Bolsonaro, os desembolsos já passam de R$ 14 bilhões. Técnicos do Tribunal de Contas da União estimam que foram despejados nesta obra eterna mais de R$ 20 bilhões.
Se a administração pública brasileira fosse feita de lógica, previsibilidade e probidade, faltaria material.
Por Josias de Souza
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