quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022

A Polícia Federal entra na campanha eleitoral


O presidente Jair Bolsonaro (à esq.) e o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Maiurino | Evaristo Sá/AFP e Governo do Estado do Rio de Janeiro

Se havia dúvidas sobre a instrumentalização da Polícia Federal em favor dos interesses políticos de Jair Bolsonaro, uma nota publicada pela corporação em seu site na última terça-feira ajudou a eliminá-la.

“Moro mente”, dizia o texto, em resposta a uma declaração do ex-juiz da Lava-Jato dada no dia anterior. Numa entrevista, Moro disse que “hoje não tem ninguém no Brasil sendo investigado e preso por grande corrupção” e afirmou que a PF não tem mais autonomia sob Bolsonaro. Segundo a nota oficial, Moro mente porque, nos últimos três anos, a corporação realizou 1.728 operações contra a corrupção, e o maior número de ações ocorreu em 2020.

A última afirmação não necessariamente contradiz a anterior, mas isso não vem ao caso. O que importa é que Moro é um político em campanha, e a Polícia Federal é uma instituição de Estado. Foi por isso que a nota e seu tom agressivo chamaram a atenção.

Os ex-diretores da corporação e ex-ministros da Justiça de diversos governos que consultei, à esquerda e à direita, dizem que nunca viram manifestação semelhante antes, nem nas crises mais brabas. Além do mais, se a PF está na berlinda há meses, não é pelo número de operações que realiza, mas pelas que deixa de fazer.

Outro dia mesmo o delegado William Tito escreveu que o presidente da República não havia prevaricado ao não dar andamento às denúncias de irregularidades na compra da Covaxin — porque, segundo Tito, a Constituição não diz expressamente que é dever do presidente mandar apurar suspeitas de desvios de dinheiro público.

Desde o início do mandato de Bolsonaro, delegados que tentaram denunciar o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, foram afastados de seus cargos. No setor que investiga autoridades com foro privilegiado junto ao Supremo, foram todos substituídos depois de conflitos sobre o rumo de investigações mais sensíveis.

A própria denúncia de Moro sobre a suspeita de interferência de Bolsonaro na PF — segundo o presidente, a “minha Polícia Federal” — é alvo de um inquérito no Supremo, que ainda não foi concluído e em que a direção da corporação é parte interessada.

Em dezembro, a PF realizou uma operação de busca e apreensão na casa do presidenciável Ciro Gomes (PDT), que a acusou de ter “objetivo claro de tentar criar danos” a sua pré-candidatura. Ciro também chamou a PF de “braço do Estado policialesco de Bolsonaro, que trata opositores como inimigos a serem destruídos fisicamente”.

Há duas semanas, Bolsonaro se recusou a depor sobre o vazamento de dados sigilosos de um inquérito da própria PF, numa live em que sugeriu ter havido fraude nas urnas eletrônicas em 2018.

Quando a delegada Denisse Ribeiro concluiu que ele e seu parceiro de live, o deputado Filipe Barros (União Brasil-PR), haviam cometido um crime, Barros disse que as conclusões de Denisse eram de “um absurdo sem tamanho” e que tomaria “medidas jurídicas cabíveis” para responsabilizá-la.

Assim como não houve nota pública em resposta a Ciro Gomes, também não houve comunicado oficial em defesa do trabalho de Denisse Ribeiro ou da autonomia da PF. Agora, as coisas parecem ter mudado. E se amanhã Lula, Doria ou qualquer outro candidato atacar a corporação, como vai ser? A Polícia Federal rebaterá a todos?

Em sua nota pública, a cúpula da PF afirma que não é função da corporação “produzir espetáculos” e que ela “não deve ser usada como trampolim para projetos eleitorais”. Está certíssimo. Só que, se pretende se mostrar independente, íntegra e autônoma, a PF precisa se manter longe de bate-boca político.

Quando decide responder, e de forma tão agressiva, a um candidato em campanha, a direção da polícia faz justamente o que diz repudiar e se joga de cabeça no debate eleitoral.

Por Malu Gaspar

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