A duas semanas de deixar o comando do Tribunal Superior Eleitoral, Luís Roberto Barroso desce novamente à frente de batalha para defender as urnas eletrônicas dos ataques de Bolsonaro. Segundo o ministro, o presidente "tinha dado a palavra de que esse assunto estava encerrado." Mas rodou um "filme repetido" ao declarar em sua live da última quinta-feira que o TSE "ficou em silêncio" ao receber "dezenas de vulnerabilidades" identificadas pelo Exército no sistema eletrônico de votação. Barroso soou corrosivo: "Ele não precisa de fatos, a mentira já está pronta".
Em entrevista ao Globo, Barroso recordou que Bolsonaro "chegou a elogiar o sistema de votação eletrônico brasileiro." Mas repete o filme "com um mau roteiro". O ministro não enxerga "nenhuma razão para assistir à reprise." Avalia que a versão original já descredenciou o roteirista: "Antes, o presidente dizia que tinha provas de fraude. Intimado a apresentá-las, não havia coisa alguma. Essa é uma retórica repetida. É apenas um discurso vazio."
Eis o que disse Bolsonaro na sua transmissão ao vivo pelas redes sociais: "Nosso pessoal do Exército, da guerra cibernética, buscou o TSE e começou a levantar possíveis vulnerabilidades. Foram levantadas várias, dezenas de vulnerabilidades. Foi oficiado o TSE para que pudesse responder às Forças Armadas. Passou o prazo e ficou um silêncio. O prazo de 30 dias se esgotou no dia de hoje."
Agora, a resposta de Barroso: "Há um representante das Forças Armadas na Comissão de Transparência das Eleições. Em dezembro, ele apresentou uma série de perguntas para entender como funciona o sistema. Elas entraram às vésperas do recesso. Em janeiro, boa parte da área técnica do TSE faz uma pausa, e agora as informações solicitadas estão sendo prestadas e vão ser entregues na semana que vem. Só tem perguntas. Não há nenhum comentário. Não falam de vulnerabilidade..."
"...Quando o presidente diz que encontraram vulnerabilidades antes mesmo de receber as respostas às indagações, ele está adiantando, desavisadamente, a estratégia que ele pretende adotar. Para falar a verdade, ele queimou a largada. Ele lança mão dos questionamentos feitos pelo representante das Forças Armadas, quando, na verdade, tudo o que foi feito foram algumas perguntas e, antes de ter recebido as respostas, já disse que tem vulnerabilidades. Ele antecipou a estratégia dele, que é: não importa quais sejam as respostas, eu vou dizer que o sistema eleitoral eletrônico tem vulnerabilidades. Ele não precisa de fatos, a mentira já está pronta."
No dia 28 de fevereiro, Barroso transferirá a presidência do TSE para o colega Edson Fachin. Ele exercerá o cargo até agosto. Na sequência, assumirá o ministro Alexandre de Moraes, que terá a incumbência de presidir a Corte durante a votação e a apuração das eleições de 2022.
Barroso, Fachin e Moraes são também ministros do Supremo Tribunal Federal. No momento, discutem o que fazer com o Telegram. O aplicativo de estimação de Bolsonaro, seus filhos e seus seguidores não possui representante no Brasil. Ignorou todas as tentativas do TSE de estabelecer um contato.
Perguntou-se a Barroso se acha viável banir do Brasil o Telegram. E ele: "Nenhum ator relevante no processo eleitoral pode atuar no país sem que esteja sujeito à legislação e a determinações da Justiça brasileira. Isso vale para qualquer plataforma. O Brasil não é casa da sogra para ter aplicativos que façam apologia ao nazismo, ao terrorismo, que vendam armas ou que sejam sede de ataques à democracia que a nossa geração lutou tanto para construir. Como já se fez em outras partes do mundo, eu penso que uma plataforma, qualquer que seja, que não queira se submeter às leis brasileiras deva ser simplesmente suspensa. Na minha casa, entra quem eu quero e quem cumpre as minhas regras."
Na opinião de Barroso, cabe "preferencialmente" ao Congresso decidir como tratar o Telegram. Há inclusive um projeto sobre fake news em tramitação na Câmara. O ministro diz ter conversado com o relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP). Enfatizou a necessidade de exigir que plataformas com operação no Brasil tenham representação no país.
Barroso não exclui, porém, a hipótese de o Judiciário agir, desde que seja provocado. "Acho muito possível que este pedido venha em alguma demanda ou perante o TSE ou o Supremo. Nesse caso, o tribunal não pode deixar de decidi-la por supostamente inexistir uma lei específica. Portanto, teremos que decidir, na forma da Constituição e das leis, se alguém pode operar no Brasil fora da lei."
E quanto à alegação de que a liberdade de expressão estaria sob risco? Barroso vai ao ponto: "Liberdade de expressão não é liberdade para vender arma. Não é liberdade para propagar terrorismo, para apologia ao nazismo. Não é ser um espaço para que marginais ataquem a democracia. Portanto, ninguém quer censurar plataforma alguma, mas há manifestações que não são legítimas."
A despeito das turbulências, Barroso avalia que "o TSE assegurará eleições livres, limpas e seguras." Ele repete que "a democracia tem lugar para liberais, para progressistas e para conservadores. Ela só não tem lugar para os que querem destruí-la." Acredita que "já superamos os ciclos do atraso". Não vê "risco de retrocesso, apesar de termos tido alguns maus momentos recentes."
Quais foram esses maus momentos? "Comício do presidente na porta do quartel-general do Exército, tanques na Praça dos Três Poderes, a minguada manifestação do 7 de setembro com discursos golpistas de desrespeito a decisões judiciais e ataques a ministros. Tudo isso eu acho que mais revela limitações cognitivas e baixa civilidade do que propriamente um risco real."
Por Josias de Souza
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