sexta-feira, 23 de abril de 2021

Tribunal rejeita heterodoxias de Fachin. E o voto claro de Moraes


Edson Fachin, que tentou dar o triplo salto carpado hermenêutico, e Alexandre de Moraes, que lembrou,
afinal, o que estava em votaçãop Imagem: Reprodução

O ministro Roberto Barroso, do Supremo, atravessou todas as linhas do razoável e deveria ter a decência e a humildade de se desculpar com Ricardo Lewandowski e com Gilmar Mendes, seus colegas de tribunal. Todo o mundo jurídico estava acompanhando o julgamento. E sabe muito bem quem entrou com as travas da chuteira na canela do oponente para erguer a mão e gritar: "Falta!" Mas isso está em outro artigo.

O tribunal, tudo indica que por sete votos a quatro, fez a coisa certa. Convém que fique claro de novo. Não! O pleno não declarou a suspeição de Moro pela simples, óbvia e objetiva razão de que a dita-cuja não estava em votação. Isso já tinha sido firmado no foro adequado: a Segunda Turma. Nota: Fachin e Barroso já são votos vencidos. Luiz Fux certamente será. Marco Aurélio pediu vista. É, assim, um ministro Kinder Ovo. Nunca se sabe o brinquedinho que há dentro. Desta feita, no entanto, é só uma esfinge sem segredos. Certamente comporá a minoria dos quatro.

O que se decidia nesta quinta era precisamente isto: o pleno tinha ou não competência para revogar a decisão da Segunda Turma? Esse era o objeto. Pode-se dizer, sim, que o tribunal referendou a suspeição do então juiz, mas apenas pela via da consequência. Reconhecer a legitimidade da decisão tomada na Segunda Turma, ainda que dela se discordasse, era só uma questão de aceitar as regras do jogo — conhecidas, no caso, por Regimento Interno.

Infelizmente, muitas heterodoxias se exercitaram ali entre os inconformados com o julgamento havido há um mês na Segunda Turma. Edson Fachin, como se sabe, fez uma coreografia um tanto confusa, mas com sentido que parece claro. Se reconheceu, em sede de habeas corpus, a óbvia incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba — confessada até por Moro —, procurou dar um triplo salto carpado hermenêutico e declarar prejudicado o habeas corpus da suspeição. É uma aberração em si: tentou usar o conteúdo mais restrito de um recurso para anular outro.

Como a Segunda Turma não acatou, por absurda, a sua decisão e levou adiante, por quatro votos a um, a votação da suspeição — com a parcialidade do juiz sendo declarada por três votos a dois —, Fachin tentou um gol de mão: apelou de novo ao pleno. Felizmente, sete dos 11 ministros decidiram que não cabia ao Supremo esculhambar o Supremo. Ou o pleno viraria instância recursal das turmas.

O ministro Alexandre de Moraes, diga-se, foi claro:
"A Segunda Turma não era incompetente para dar continuidade ao julgamento da suspeição. Levantada uma questão de ordem pelo ministro Edson Fachin, a Turma deliberou pela continuidade: quatro votos a um. E julgou a questão da suspeição por três votos a dois. (...) Cabe recurso dessa decisão, salvo embargos de declaração para a própria Turma? Me parece que não. Ao permitirmos que, mesmo por via reflexa, o plenário do Supremo Tribunal Federal analise uma questão já julgada, não monocraticamente, por integrante da Segunda Turma, fora dos casos regimentais, como embargos de divergência, por exemplo, nós estaríamos subvertendo a própria ordem regimental. (...) O plenário é soberano no exercício das suas atribuições regimentais. Não há, nessa hipótese, previsão recursal de revisão de uma decisão da turma pelo plenário. Poder-se-ia arguir: 'Não, mas o que o plenário está a decidir é o primeiro habeas corpus (...), os efeitos desse habeas corpus [o da incompetência]'. Mas um desses efeitos já foi decidido [habeas corpus da suspeição] não como efeito, mas como objeto principal, pela Turma. E a própria Turma se debateu sobre eventual preclusão ou não, e entendeu, por quatro a um, pela possibilidade de continuação. E o resultado final foi 3 a 2. No nosso caso, aqui no plenário, pouco importa. Não estamos a tratar do mérito: se houve ou não suspeição. A primeira questão é: o plenário pode rever uma decisão já finalizada, uma decisão de mérito, da Turma? Entendo que não."

E coube ainda a Moraes lembrar que incompetência não é suspeição. Afirmou:
"A suspeição tem preferência em relação a todas as demais arguições, Inclusive em relação à competência. Por quê? Porque nós temos casos e hipóteses de competência relativa. Agora, não é porque o juiz é suspeito e a competência é relativa que nós vamos ignorar a suspeição. A parcialidade, a quebra de neutralidade, é tratada tanto pela Constituição como pelo Código de Processo Penal como a questão mais importante. Até porque a suspeição é subjetiva [volta-se para a pessoa do juiz], enquanto a competência é objetiva. (...) Não me cabe aqui, porque não é isso que está em julgamento, dizer se houve ou não suspeição. (...) A análise da suspeição é mais ampla. A análise da suspeição precede a questão da competência (...). E sabemos todos que as consequências são diversas também."

Só para lembrar o que diz o Artigo 96 do Código de Processo Penal, lembrado por Moraes:
"Art. 96. A arguição de suspeição precederá a qualquer outra, salvo quando fundada em motivo superveniente."

Luiz Fux tentou umas jogadas estranhas. Ainda falarei dele. Mas o que chamou a atenção de todos os que acompanharam o julgamento foi a agressividade do voto de Barroso no conteúdo e na forma, o que evidenciarei em post seguinte. Fez diversas provocações no curso de sua exposição. Dava pequenos chutes no tornozelo do adversário à espera do revide, que não veio.

Mas, claro, não jogava sozinho. Nas duas vezes em que colegas fizeram objeções educadas a suas considerações, reagiu muito mal: comportou-se de modo bastante deseducado com Lewandowski, que é sempre muito cavalheiro na divergência, e explodiu, do nada, com Mendes, acusando grosseria onde não havia. E sendo, por óbvio, notavelmente grosseiro.

Por Reinaldo Azevedo

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