O governo produziu dois documentos paradoxais. Num, Bolsonaro fez pose de ambientalista de mostruário, inimigo do desmatamento ilegal. Noutro, Ricardo Salles, ministro de Bolsonaro para o Meio Ambiente, foi apresentado como protetor de madeireiros criminosos.
A uma semana da Cúpula de Líderes sobre o Clima, capitaneada pelos Estados Unidos, Bolsonaro endereçou a Joe Biden carta de sete páginas. Fez afagos e promessas: "Queremos reafirmar nesse ato, em inequívoco apoio aos esforços empreendidos por V. Excelência, o nosso compromisso em eliminar o desmatamento ilegal no Brasil até 2030."
Simultaneamente, o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Alexandre Saraiva, protocolou no Supremo uma queixa-crime em que acusa o ministro antiambiental do governo Bolsonaro de aliar-se a desmatadores pilhados na maior extração de madeira de todos os tempos. Coisa de 200 mil metros cúbicos de toras. A mercadoria foi estimada em R$ 129 milhões.
Na correspondência enviada a Biden, Bolsonaro anotou que o combate ao desmatamento exigirá "recursos vultosos". A certa altura, deu a impressão de passar o pires: o Brasil espera contar com "todo apoio possível, tanto da comunidade internacional, quanto de governos, do setor privado, da sociedade civil e de todos os que comungam desse nobre objetivo."
Na queixa-crime ajuizada na Suprema Corte, o delegado federal Saraiva, chefe da PF no Amazonas desde 2017, solicita a abertura de investigação para apurar a suspeita de envolvimento de Salles em três crimes: dificultar a ação fiscalizadora do Poder público no meio ambiente, exercer advocacia administrativa e integrar organização criminosa.
Bolsonaro não gosta de ler jornais. Mas o pessoal da embaixada americana gosta. Joe Biden logo receberá informes sobre o noticiário em que o ministro brasileiro do Meio Ambiente é retratado pela Polícia Federal como benfeitor de criminosos. Um personagem que, em vez de apoiar a investigação, "sinalizou sua preferência ao lado de empresários responsáveis por grave degradação ambiental."
Num ambiente assim, em que o presidente brasileiro diz uma coisa e seu ministro é acusado de praticar o contrário, é improvável que Joe Biden se anime a aplicar recursos do contribuinte americano no programa de desmatamento de Bolsonaro.
O cotidiano de um político é uma sucessão de poses. Todo político é meio viciado em pose. Cada gesto, cada palavra do político é uma pose. Mas o que Bolsonaro não consegue compreender é que um político não pode ser feito apenas de pose. É preciso que por trás da pose exista uma noção qualquer de honradez.
Por Josias de Souza
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