A liminar concedida pelo juiz Charles Renaud Frazão de Moraes contra a possível posse do senador Renan Calheiros (MDB-AL) como relator da CPI da Covid, que se instala nesta terça, é uma aberração. Trata-se de uma ilegalidade escandalosa, não importa quantos objetivos supostamente nobres tenham movido a postulante — no caso, a deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP). Como se nota, não se cuida aqui de falar de nobreza, não é?
Zambelli entrou com uma ação popular que carrega duas alegações:
a: Renan é pai de Renan Filho, governador de Alagoas, e isso o tornaria suspeito;
b: o senador responde a processos na Justiça.
Ainda que um juiz federal pudesse interferir na distribuição de funções numa CPI — e o relator é definido por vontade exclusiva de quem vai presidi-la; nem eleição há para o cargo —, a argumentação é risível.
O governo de Alagoas não está, em princípio, entre os investigados. A comissão pode apurar a aplicação de recursos federais destinados aos Estados desde que surja algum fato que justifique a apuração. Fosse isto motivo de impedimento — vale dizer: vínculo entre senadores e Estados —, não haveria CPI possível.
Como? Renan é investigado? Bem, na atividade política, é raro quem não ostente essa condição — e, às vezes, a investigação até se dá por maus motivos. Vale dizer: há quem esteja na mira de adversários justamente porque fez a coisa certa. E a Justiça acaba servido de mau instrumento da luta política. A Lava Jato evidenciou essa desgraceira à farta.
A propósito: o presidente da República que temos é réu em duas ações penais, ora congeladas no Supremo, por apologia do estupro. A coisa está lá parada porque, segundo a Constituição, presidentes não podem responder no curso do mandato por atos anteriores ao dito-cujo. Se Zambelli acha que ser investigado deve impedir que um senador seja relator da CPI, então teria de, por coerência, sair por aí a pregar a deposição do seu chefe. Nota: estou brincando, claro! Jamais cobraria coerência de Zambelli.
Com a devida vênia, a liminar é um troço ridículo.
NÃO CONFUNDIR
Sim, o Supremo agiu certo ao mandar instalar a CPI da Covid. Afinal, ela é regulada pela Constituição. Há apenas três exigências para que exista: ao menos um terço das assinaturas da Casa; haver fato determinado; ter definido o tempo de existência. E os respectivos Regimentos Internos de Câmara e Senado impedem que CPIs investiguem outro Poder da República, os Estados e a outra Casa (isto é, nem Senado faz comissão de inquérito contra a Câmara nem o contrário).
A Justiça federal se imiscuir na definição de cargos de uma comissão é uma agressão inaceitável do Poder Judiciário, na figura de um juiz federal, no Poder Legislativo. Consta que o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) afirmou que a decisão não será cumprida. E entendo que está certo. Se cada juiz federal do Brasil — em torno de 2 mil — decidir interferir, à vontade, em atos da rotina interna do Parlamento, o Poder chegaria à virtual paralisia.
RENAN EM 2016
Não custa lembrar: no dia 5 de dezembro de 2016, numa decisão monocrática e esdrúxula, o ministro Marco Aurélio, do Supremo, determinou que o mesmo Renan fosse afastado da Presidência do Senado. A decisão não tinha amparo constitucional. Deve ter sido a bola mais estratosférica que o ministro terá chutado em seu tempo na corte.
Bem, Renan negou-se a cumprir a decisão. Dois dias depois, em 7 de dezembro daquele ano, o próprio STF cassou a decisão de Marco Aurélio por seis votos a três.
Frazão é um juiz, vamos dizer, conhecido do Conselho Nacional de Justiça. Já teve a conduta investigada duas vezes pelo CNJ em razão de decisões, como posso definir?, polêmicas. Parece-me que, desta vez, ele foi longe demais, o que talvez esteja a merecer um terceiro exame pelo referido conselho.
É certo que Renan vai recorrer da decisão absurda, que será necessariamente cassada. Se o Senado, antes de qualquer desdobramento, declarar Renan o relator da CPI, estará apenas cumprindo a Constituição e o Regimento Interno.
A liminar de Frazão não tem nenhum amparo legal. E, por óbvio, é preciso desestimular decisões dessa natureza.
Por Reinaldo Azevedo
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