Artigo publicado ontem (21/04/20121)
A Cúpula do Clima começa amanhã. O mundo está de olho no Brasil. O Ibama chegou a seu grau zero. Está paralisado. Tivemos o pior março em desmatamento em 10 anos. Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, conseguiu, na prática, derrubar o superintendente da PF no Amazonas porque resolveu se solidarizar com madeireiros do Pará, que teriam sido injustiçados na maior ação da polícia de apreensão de madeira ilegal.
Um grupo de 200 cientistas, alguns laureados com o Nobel, assina um manifesto de protesto. O mesmo fazem artistas dos EUA e daqui — nesse caso, pedindo a Joe Biden que não firme um acordo com o Brasil enquanto o país não se comprometer com metas de redução de desmatamento. Grandes empresas brasileiras que dependem do mercado ou de investidores mundo afora tentam estabelecer seus próprios acordos, deixando claro que o governo a que estão submetidas em seu país de origem é um peso.
Nada menos de 24 governadores subscreve uma carta, endereçada ao governo americano, comprometendo-se com metas ambientais e pedindo cooperação. Denominam-se "Coalizão Governadores pelo Clima". Tentam dizer: "Não somos Jair Bolsonaro". Não sei se perceberam: estamos falando de um governo que atrapalha o Brasil.
CONVERSA COM EMPRESÁRIOS
Ontem, Jair Bolsonaro teve uma reunião virtual com quatro empresários: Abílio Diniz, André Gerdau, Fábio Coelho e José Ermírio de Moraes. Disse não temer a CPI da Covid-19, comprometeu-se com as reformas administrativa e tributária etc. Tentou demonstrar algum domínio da agenda -- e, como se sabe, o arranjo orçamentário, que oficializou o fura-teto, prova o contrário. De todo modo, ouviu dos interlocutores que é preciso cuidar da questão ambiental. Ou não há futuro possível. Comprometeu-se até a fazer uma nova reunião virtual nesta quarta, com outros nomes, para tratar do assunto. Vamos ver se vai acontecer.
Isso evidencia a centralidade que tem esse tema, que recebe tratamento irresponsável e amador aqui dentro, o que escandaliza o mundo. Em reunião com representantes do governo americano, este incrível Ricardo Salles — o ministro mais amado por Bolsonaro — resolveu ilustrar a posição do Brasil diante dos países ricos com um desenho: um cachorro — fazendo as vezes do país — olhando para uma daquelas máquinas em que galetos assados giram no espeto. Entenderam?
Os frangos seriam os dólares de países ricos com os quais o governo brasileiro espera contar para combater o desmatamento. A gringolândia não entendeu nada porque desconhece a tal "televisão de frango assado". Ademais, os interlocutores de Salles devem ter pensado: "Que tipo de gente compara o próprio país a um cão faminto?"
Salles é esse tipo de gente.
UMA PAUSA
Uma pausa para um pouco mais de surrealismo e depois volto ao meio ambiente.
Ontem, na posse de Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, novo comandante do Exército, Braga Netto, ministro da Defesa dos sonhos de Bolsonaro -- ajudando a desfechar um golpe seria melhor ainda -- resolveu falar de novo a linguagem da ameaça. Afirmou:
"O momento requer um maior esforço de união nacional, com foco no combate à pandemia e no apoio à vacinação. Hoje o país precisa estar unido contra qualquer tipo de iniciativa de desestabilização institucional, que altere o equilíbrio entre os poderes e prejudique a prosperidade do Brasil. Enganam-se aqueles que acreditam estarmos sobre um terreno fértil para iniciativas que possam colocar em risco a liberdade conquistada por nossa nação. É preciso respeitar o rito democrático e o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros para conduzir os destinos do país. A sociedade, atenta a essas ações, tenha a certeza que suas Forças Armadas estão prontas a servir aos interesses nacionais".
De que "liberdade" ele está falando? Aquela mesma que teria sido assegurada pelo golpe militar de 1964, saudado naquela sua nota? "Respeitar o projeto escolhido pela maioria dos brasileiros" corresponde a condescender com as vezes em que o presidente da República tenta atropelar a Constituição e a ordem legal? As "Forças Armadas que estão prontas a servir aos interesses nacionais" seriam mobilizadas em defesa do quê? Do atropelo à Constituição? A propósito: quando estava na Casa Civil, chefiando, em tese, os esforços do governo federal contra a Covid-19, as decisões alopradas sobre a cloroquina (ver post) passaram pelo crivo do general?
O recado é óbvia e indevidamente enviado ao Supremo, contra o qual a extrema-direita se manifesta nas ruas, insuflada pelo próprio presidente da República, desde 2019, quando não havia nenhuma contenda. Mais: o STF ajudou este governo incompetente a enfrentar a crise. Forneceu-lhes os instrumentos, apatetado que estava diante do caos que se avizinhava — e isso inclui tanto os militares no poder como a área econômica. Fim da pausa. Volto ao meio ambiente.
DE VOLTA AO MEIO AMBIENTE
O país se transformou na cloaca no mundo tanto na área ambiental como no enfrentamento da Covid-19. Por isso tanto as grandes empresas como os governadores buscam canais paralelos de interlocução.
Num quadro assim, um general vem com essa conversa atrasada, reacionária, antediluviana, tentando ameaçar os desarmados com a cólera de sua legião. É mesmo? Estão bravos com seus críticos por quê? Em razão de sua espetacular eficiência? Outro mito ruiu, não é mesmo? O de que fardados conseguem atuar com mais eficiência do que os civis. A propósito: no dia em que decidirem dar um golpe, chamem Eduardo Pazuello para cuidar da logística...
Contrasto essa conversa bolorenta de Braga Netto com os olhos do mundo voltados para nós. Posso imaginar quanto tempo duraria uma quartelada por aqui, não é? É chato para vocês, golpistas, eu sei. Mas terão de se virar com a democracia mesmo. Mais: terão de se conformar com o fato de que o país é parte de um concerto mundial — ainda que visto, hoje, com suspeição,
MILÍCIA AMBIENTAL
Transcrevo trecho de uma reportagem de Malu Gaspar no Globo. Escreve:
"O principal projeto que o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, pretende financiar com o US$ 1 bilhão que está pedindo aos países ricos para combater o desmatamento na Amazônia é a formação do que ele chama de Força de Segurança Ambiental. Nas reuniões prévias à Cúpula do Clima com representantes dos Estados Unidos e de antigos financiadores europeus de ações ambientais no Brasil, Salles apresentou essa força como uma patrulha armada que poderá substituir a ação da Polícia Federal e dos órgãos como o Ibama e ICMBio."
Viram só?
O mundo que importa pergunta o que o governo brasileiro pretende fazer para conter o desmatamento, e Salles, a cada dia mais inominável — e certamente com a anuência do chefe —, pede dinheiro aos países ricos para comprar armas. Imaginem o risco de uma força como essa degenerar em milícia sob o pretexto de preservar o meio ambiente.
A propósito, general Braga Netto: esse projeto conta com a sua anuência? O Comando Militar da Amazônia também acha que é esse o caminho? E o que pensa o Alto Comando das três Forças? É assim que se está pensando, como é mesmo, general, em "servir aos interesses nacionais"?
O mundo pede para o Brasil preservar o meio ambiente, e seu governo logo sonha com fuzis, metralhadoras e cadáveres.
Ou banho de vírus ou banho de sangue.
Por Reinaldo Azevedo
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