Paulo Guedes: a megalomania só não é maior do que a arrogância, a incompetência e a ligeireza em oferecer respostas simples e erradas para problemas difíceis Imagem: Sérgio Lima/Poder 360 |
Paulo Guedes é truculento, vulgar e, dados os resultados, é preciso constatar: incompetente. É um especulador do mercadismo — que distingo do mercado — alçado à condição de formulador de política econômica, o que ele, obviamente, não sabe fazer. É um engano pensar que seja intelectualmente mais sofisticado do que Jair Bolsonaro. Só é rico há mais tempo, mais viajado, mais mundano. Isso lhe confere um certo ar mais cosmopolita. Mas as tentações reacionárias estão todas lá, intocadas. E ele as expressa.
As suas falas na reunião do Conselho de Saúde Suplementar, que vieram a público, renderiam demissão sumária em todos os governos que antecederam o de Jair Bolsonaro. Neste, claro!, não vai acontecer nada porque ele e seu chefe coincidem no diagnóstico: ligeiro, grosseiro, arrogante, inoportuno e sectário.
Sem saber que a reunião era transmitida pelo Facebook, Guedes deitou falação contra a China e contra os serviços de saúde e de educação estatais do Brasil. E não! O contexto deixa claro que não falava alguém que tem um plano organizado de intervenção para que sejam, então, mais eficientes.
A crítica à China é estúpida e infundada. As afirmações sobre a saúde e educação públicas revelam o ânimo da depredação. Ficou evidente que o ministro vê, vamos dizer assim, com olhos não muito simpáticos o aumento da expectativa de vida dos brasileiros, que era contínuo desde 1940 e só foi interrompido agora. Justamente pelo coronavírus. Comecemos pela China.
Sob o pretexto de exaltar a eficiência maior do setor privado -- e até fica parecendo que a China hoje é uma economia estatal à moda maoísta, fez a seguinte afirmação:
"O chinês inventou o vírus, e a vacina dele é menos efetiva que a do americano. O americano tem cem anos de investimento em pesquisa. Então os caras falam: 'qual o vírus? É esse? tá bom'. Decodifica, tá aqui a vacina da Pfizer. É melhor do que as outras".
Está tudo errado. O vírus não foi inventado por ninguém. A China informou a sua existência, mas nem mesmo se tem a certeza absoluta de que surgiu por lá. Deixemos, no entanto, essa questão de lado agora. Aquele país produz o Ingrediente Farmacêutico Ativo das duas vacinas aplicadas por aqui: da Coronavac, do Instituto Butantan/Sinovac, e da AstraZeneca/Oxford.
Ao fim da reunião, buscou remendar o estrago em entrevista:
"Eu usei uma imagem infeliz. Eu falei 'inventado'. Não é inventado. Nós sabemos que teve uma região de onde o vírus veio. Um vírus que veio de fora e atinge uma economia de mercado forte, como são os Estados Unidos, mesmo que eles desconheçam o vírus... Eu quis dar a importância do setor privado, de como ele consegue produzir respostas. Foi só essa imagem que eu quis usar. Nos somos muito gratos à China por ter nos enviado a vacina. Eu tomei a Coronavac".
A tentativa de consertar traz outros erros. Em primeiro lugar, é de se questionar por que a defesa do setor privado precisaria ter passado pelo ataque à China, que responde, em dólares, por mais de um terço de tudo o que o Brasil exporta. Mais: aquele país não nos "enviou" a vacina. A Coronovac foi produzida numa parceria com o Instituto Butantan, o que demandou recursos do Tesouro de São Paulo e planejamento — tudo aquilo que o governo federal não fez.
Tão logo a fala de Guedes se tornou pública, o embaixador da China no Brasil, Yang Wanming, foi ao Twitter e escreveu:
"Até o momento, a China é o principal fornecedor das vacinas e os insumos ao Brasil, que respondem por 95% do total recebido pelo Brasil e são suficientes para cobrir 60% dos grupos prioritários na fase emergencial. A Coronavac representa 84% das vacinas aplicadas no Brasil."
Pois é. Ele fala em 95%, reitero, porque o país fornece o Ingrediente Farmacêutico Ativo também do imunizante da AstraZeneca /Oxford. Mas Guedes está incomodado com os chineses e exalta os EUA — que, convenham, não fizeram a menor menção de socorrer o Brasil. Até porque também passam por uma experiência que a China na vivenciou: o morticínio em massa.
Como se nota, o espírito anti-China do governo, por mais estúpido e injustificado que isso seja, não se limita a Ernesto Araújo — quando estava lá — e a Jair Bolsonaro. Guedes é capaz de repetir as mesmas tolices. De resto, indague-se: a que vem esse palavrório numa reunião do Conselho de Saúde Suplementar? Presta para quê?
Resposta: para nada!
É que Guedes queria fazer a sua profissão de fé contra o Estado, como um liberal da década de 50 que estivesse reformando o Brasil da década de 80. Ele não é só incompetente. É atrasado também. E as considerações que fez sobre o sistema de saúde e as universidades públicas o evidenciam, como vamos ver.
Por Reinaldo Azevedo
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