Com mais de US$ 350 bilhões de reservas internacionais, superávit comercial, preços favoráveis no mercado global e dívida externa muito bem comportada, o dólar poderia estar abaixo de R$ 5,00, segundo especialistas, mas tem oscilado em torno de R$ 5,40 e batido em R$ 5,60 com alguma frequência. Dólar caro pressiona os custos, alimenta a inflação e inferniza a vida de milhões de famílias, forçadas a pagar mais por muitos produtos. Algo muito anormal parece estar ocorrendo no mercado de câmbio. Com as contas externas em ordem, a fraqueza do real causa estranheza. Mas o aparente mistério desaparece quando se levam em conta as incertezas sobre o Orçamento, a pandemia quase descontrolada e os tropeços e impasses de um governo incapaz de dar um rumo à política econômica.
A crise sanitária afetou o comércio internacional no ano passado, mas quase sem reflexos no Brasil. As exportações de commodities – soja, carnes, minérios e outros produtos básicos – continuaram vigorosas, garantindo um robusto superávit comercial. O País acumulou saldo positivo de US$ 51 bilhões no comércio de mercadorias. Apesar disso, o real foi uma das moedas mais desvalorizadas em 2020. Em dezembro, a cotação média do dólar (R$ 5,142) foi 28,8% maior que em janeiro, mas em vários momentos, nos dois semestres, a moeda americana superou a cotação de R$ 5,50.
A instabilidade cambial continuou em 2021 e o dólar superou R$ 5,70 em algumas ocasiões. No meio da manhã de ontem, a moeda americana, em queda no mercado brasileiro, foi negociada a R$ 5,54. No meio da tarde, no entanto, estava cotada a R$ 5,56. As explicações eram previsíveis: novamente as várias incertezas dificultavam o recuo para o território abaixo de R$ 5,50.
Respeitados economistas, veteranos conhecedores do comércio internacional e do mercado de câmbio, repetiram ao Estado a lista dos fatores de insegurança. Aparecem com destaque, nessa relação, as incertezas sobre a evolução das contas de governo, incluída a enorme dívida interna, os erros do governo federal diante da pandemia, a vacinação lenta, os problemas de suprimento de vacinas, as tensões políticas e a economia sem rumo.
A insegurança fiscal aumentou com novas trapalhadas fiscais. Passado o meio de abril, o País continua sem um orçamento executável. O projeto de lei orçamentária de 2021 foi aprovado em março, com enorme atraso e com distorções perigosas, como a subestimação dos gastos obrigatórios. Embora sem dispor de uma programação financeira exequível para 2021, a equipe econômica já enviou ao Congresso o projeto da nova Lei de Diretrizes Orçamentárias, com metas para 2022. Ninguém pode dizer com alguma segurança como e quando esse projeto será aprovado.
A pandemia ainda muito grave, com mortandade elevada e escassez de insumos para intubação de pacientes, complica as projeções econômicas. O dado mais claro, hoje, é o crescente pessimismo dos economistas consultados pelo Banco Central, semanalmente, em sua pesquisa Focus. Em quatro semanas o crescimento econômico estimado para este ano caiu de 3,22% para 3,04%, enquanto a inflação esperada subiu de 4,71% para 4,92%, bem acima da meta deste ano (3,75%). Nesse intervalo, o câmbio previsto para o fim do ano aumentou de R$ 5,30 para R$ 5,40 por dólar. A piora das expectativas também afeta as projeções de inflação e câmbio de 2022.
As incertezas sobre a inflação, as contas públicas, o crescimento e o próprio câmbio misturam-se com o mau humor dos investidores, assustados com a política antiambiental do governo e com o intervencionismo nas estatais de capital aberto, como Banco do Brasil e Petrobrás.
Segundo técnico citado pelo Estado, a cotação adequada seria de R$ 4,60, muito próxima daquela apontada, recentemente, pelo ministro da Economia, Paulo Guedes (R$ 4,50). Não faltam recursos. Estima-se em cerca de US$ 40 bilhões o dinheiro mantido no exterior, como medida de cautela, por exportadores. A fonte principal de insegurança chama-se Jair Bolsonaro e mora no Palácio da Alvorada.
Editorial do Estadão
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