segunda-feira, 19 de abril de 2021

Super Quinta expõe calcanhares de Bolsonaro



Bolsonaro terá uma semana dura de roer. Nela, haverá uma Super Quinta especialmente amarga. Num único dia, o Senado instalará uma CPI de conteúdo oposicionista, o Supremo concluirá o julgamento que devolve Lula ao baralho de 2022 e o presidente americano Joe Biden abrirá uma Cúpula do Clima na qual o capitão fará o papel de pária ambiental.

Como se tudo isso fosse pouco, vence na quinta o prazo para que Bolsonaro decida o que vai sancionar ou vetar na proposta de Orçamento da União para 2021. Dependendo do que decidir, pode aborrecer os aliados do centrão ou o ministro Paulo Guedes (Economia). Também pode pisar nos pés de ambos. Ou nos seus próprios calos, se optar pelo ciclismo fiscal que derrubou Dilma Rousseff.

Na CPI da Pandemia, Bolsonaro fez vários gols. Todos contra. Articulara com o chefe do Senado, Rodrigo Pacheco, o envio da CPI à gaveta. O Supremo Tribunal Federal mandou desengavetar. Tramara uma CPI do B, com a mira voltada para governadores e prefeitos. No final, estados e municípios viraram asteriscos num roteiro de trabalho que prioriza a escassez de vacinas e a abundância de cloroquina.

Bolsonaro ainda manobra para emplacar um senador domesticado na poltrona de relator da CPI. Em minoria, terá de digerir o multi-investigado Renan Calheiros, um PhD nas mumunhas do Legislativo. A CPI terá três meses para virar do avesso o "exemplo" que Bolsonaro diz que o Brasil oferece ao mundo no combate ao vírus. O prazo é prorrogável.

No Supremo, o mesmo plenário que decidiu por 8 votos a 3 e cinco anos de atraso que a 13ª Vara de Curitiba não tinha competência legal para julgar Lula terá de informar para onde serão enviados, afinal, os processos. São quatro, incluindo o do tríplex e o do sítio, cujas sentenças condenatórias foram passadas na borracha. Serão julgados novamente em Brasília ou, mais provavelmente, em São Paulo.

Os ministros devem discutir também o pedido de suspeição de Sergio Moro no caso do tríplex. A Segunda Turma da Corte já tatuou na bochecha do ex-juiz a pecha de parcial. É improvável que o plenário produza uma reviravolta.

Seja como for, não há mais como alterar o novo status de Lula. Ele já está autorizado pelo Supremo a percorrer a conjuntura como candidato à Presidência da República e à prescrição dos crimes que lhe foram imputados pela Lava Jato: corrupção e lavagem de dinheiro. Significa dizer que Bolsonaro terá de polarizar não com um poste do PT, mas com o carregador dos postes petistas.

Na Cúpula do Clima, algo como 40 chefes de Estado darão as caras numa videoconferência. A aparição de Bolsonaro foi precedida de uma carta de sete páginas que enviou a Joe Biden. No texto, comprometeu-se com uma meta antiga, coisa de 2009: zerar o desmatamento até 2030.

Num trecho da carta, Bolsonaro passou o pires. Esclareceu que o Brasil espera contar na área ambiental com "todo apoio possível, tanto da comunidade internacional, quanto de governos, do setor privado, da sociedade civil e de todos os que comungam desse nobre objetivo."

No mesmo dia em que remeteu a carta para Washington, Bolsonaro avalizou a exoneração do delegado Alexandre Pacheco da função de Superintendente da Polícia Federal no Amazonas. O doutor perdeu o cargo depois de encaminhar ao Supremo uma notícia-crime pedindo a abertura de inquérito contra o ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente). Acusa-o de se aliar a cleptomadeireiros pilhados na maior apreensão de madeira ilegal da história.

John Kerry, o assessor do governo dos Estados Unidos a quem Joe Biden dá mão forte na área ambiental, correu ao Twitter para esclarecer que a Casa Branca espera de Bolsonaro algo mais além de um palavreado que não orna com a prática: "Esperamos ações imediatas e engajamento com as populações indígenas e a sociedade civil para que este anúncio possa produzir resultados tangíveis."

Vão à vitrine todos os calcanhares de vidro de Bolsonaro. A CPI e a cúpula do clima sinalizam que fica cada vez mais difícil para o capitão exercitar o hábito de colocar a culpa nos outros. A encrenca do Orçamento inocula no mercado o vírus da desconfiança. O medo de que o teto de gastos vá pelos ares leva investidores a esperar pelo surgimento de uma variante de presidente de outra cepa, capaz de encorajar o dinheiro.

Nesse ambiente, a ressurreição política de Lula potencializa a polarização política num instante em que a pilha de mortos por Covid, a caminho dos 400 mil, requer foco e moderação. Mercadorias que Bolsonaro não foi capaz de prover.

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