sexta-feira, 16 de abril de 2021

Brasil agora convive com 2 números incômodos: quase 400 mil mortos e 2022



Dois espetáculos não cabem ao mesmo tempo num só palco. Ou num único país. Dividido entre um e outro, o público não dá atenção devida a nenhum dos dois. Estava aí em cartaz a flagelo sanitário que se aproxima da marca dos 400 mil mortos sem vacinas. Ao lavar a ficha de Lula, o Supremo gravou no cartaz um segundo número embaraçoso: 2022 com polarização.

"Se for necessário ser candidato em 2022 para ganhar as eleições de um fascista que se chama Bolsonaro, eu serei candidato", declarou Lula ao canal argentino C5N, pouco depois do término da sessão em que o plenário da Suprema Corte confirmou a anulação das sentenças que a Lava Jato gravara na sua ficha.

E Bolsonaro, na tradicional live das noites de quinta-feira: "Vamos ter uma eleição pela frente, o Lula vai ser candidato. Tira eu de candidato. Quem seria o outro que iria com o Lula pro segundo turno? Só fazer um raciocínio que vão entender o futuro de cada um de vocês." Ganha uma dose de vacina quem conseguiu entender.

No momento, o brasileiro precisa de vacinas, sedativos para intubação, comida e concórdia. A ultrapolarização prematura oferece apenas raiva e salvacionismo. Com um grande passado pela frente, Lula confunde amnésia com consciência limpa. À frente de uma administração que não seria perfeitamente entendida nem no século passado, Bolsonaro fez surgir na alma do brasileiro um sentimento novo: a esperança do caos.

"A Corte Suprema disse que eu estava correto e anulou o processo", vangloriou-se Lula. Engano. O que o Supremo decidiu, com mais de cinco anos de atraso, foi que a corrupção atribuída ao pajé do PT não deveria ter sido julgada em Curitiba. Por quê? A verba que OAS e a Odebrecht usaram para pagar os confortos de Lula não foram surrupiados exclusivamente da Petrobras, foco da Lava Jato.

As togas supremas ainda não sabem para onde serão enviados os processos. O critério é, por assim dizer, lotérico. Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, disse que o correto é que as encrencas sejam submetidas a novo julgamento em Brasília. Alexandre de Moraes declarou em seu voto que São Paulo seria a jurisdição mais adequada.



Estima-se que a dúvida geográfica será dirimida na próxima sessão plenária da Corte. De concreto, por ora, apenas a certeza de que Lula, um réu de 75 anos, tirou a sorte grande. Foi premiado com a perspectiva de prescrição dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Vacinado, prepara-se para correr o país como se nada tivesse sido descoberto sobre ele.

A corrupção não ocorreu apenas na Petrobras, declarou Bolsonaro. "Foi generalizada!" Para ele, "o Brasil vem numa situação complicada há décadas. "Alguns querem que eu resolva, limpe a casa quase que sozinho de uma hora pra outra. Não quero jamais me intitular como faxineiro do Brasil, aquele que vai resolver os problemas do Brasil, o salvador da pátria. Mas acredito que estou fazendo a coisa certa."

Não se deve discutir corrupção com especialistas. Com a imagem já bem rachadinha, a família Bolsonaro tem muito a lecionar sobre a matéria. Não é todo mundo que dispõem de um operador como o Queiroz e a proteção dos heróis da resistência do centrão. Não é qualquer família que se submete ao sacrifício de casar com a pátria e fixar residência no déficit público.

Entretanto, antes de digerir a premissa de que o governo faz a "coisa certa", é preciso combinar o que é "certo". Será necessário definir índices, estipular critérios. Por exemplo: "certo" se mede pelo estoque de cloroquina à disposição ou pelas doses de vacina indisponíveis?; o "certo" é alardear que protegerá a população dos riscos da "vachina" ou silenciar diante do fato de que o Butantã fornece 80% das vacinas aplicadas no país?

Costuma-se dizer que o país precisa de uma variante brasileira à moda Joe Biden. Engano. O que seria útil para o país no momento é uma personalidade como a de Tancredo Neves, personagem avesso à raiva e a salvadores da pátria. O diabo é que, no momento, a esperança do brasileiro é a última que mata.

O pedaço do eleitorado que está de saco cheio da polarização corre o risco de chegar a 2022 às voltas com o dissabor de ter que lançar mão novamente do voto de exclusão —aquele que serve para barrar o candidato indesejado sem eleger um presidente dos sonhos. Ou um erro novo.


Por Josias de Souza

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