segunda-feira, 5 de abril de 2021

Crente, não pisque para o diabo, pix para Deus! Conká, pisque para a Carta!



Kássio Nunes Marques, também conhecido como Kássio Conká, viu imagens de cultos da Igreja Mundial do Poder de Deus? Sua sede nacional, no Brás, área empobrecida da região central de São Paulo, estava lotada neste domingo. Vídeos mostram pedidos reiterados para que os fiéis façam doações.

Quando é que essas correntes religiosas vão criar o "Pix da Salvação"? Enquanto a liminar de Kássio Conká empurra as pessoas para a morte, forneço aqui ideias a esses "homens e mulheres de Deus": coloquem a tecnologia a serviço disso a que chamam fé — não entro no mérito. Que tal esta: "Espante o demônio com um pix"? Vai outra: "Não pisque para o diabo; pix para Deus".

E os fiéis poderiam, assim, ficar em casa. Salvam-se o caixa da igreja e as vidas. Sim, eu sei: tudo que entra por intermédio do pix vira dinheiro rastreável. E há os que preferem lidar com dinheiro vivo, não é mesmo? Por alguma razão, para certas denominações, parece que Deus gosta menos do Caixa Um do que do Caixa Dois.

O fato: essas igrejas dispõem hoje de inserção nos meios de comunicação e estão presentes nas redes sociais. Não precisam de cultos presenciais — não nestes tempos — para poder financiar a sua atividade.

Conká, o suposto garantista que chegou ao Supremo, tem um atilado senso de justiça. Deve-se concluir de seu juízo, expresso numa liminar, concedida a agente ilegítimo para pleiteá-la, que a vida espiritual é tão importante aos humanos, mas tão importante, que se pode até prescindir da vida ela-mesma, essa coisa besta organizada em células. No Brasil, já houve uma corrente de juristas que pregava "o direito achado na rua". Kássio Conká quer inaugurar o direito achado no céu. A parte chara é aquela que passa pelos cemitérios e pelos crematórios, também eles colapsados.

Sua aberração trevosa vinda à luz na forma de liminar resolveu apelar a uma decisão da Suprema Corte dos EUA -- o Supremo Tribunal Federal que ele integra não reluz de modo compatível com seu brilho intelectual -- para liberar cultos religiosos no país, obedecidas algumas condições:
- uso de máscara;
- higiene com álcool em gel;
- ocupação de apenas 25% da capacidade física dos templos.

São muitos milhares de estabelecimentos país afora, das mais variadas correntes religiosas. Como é que o Estado poderia impor a normatização estabelecida por Conká? Quem vigiaria a ocupação máxima de um quarto do espaço? No caso de se transgredir o limite que ele impôs, então acontece o quê?

O Brasil cumpre o destino antevisto por Ernesto Araújo, ex-chanceler. Já é considerado pária no mundo. Era antes motivo de chacota e escárnio; à medida que se tornou o país mais malsucedido da Terra no combate à pandemia, inspira medo. O Poder Executivo tenta, à revelia do próprio presidente da República, sair de um negacionismo ensandecido, digno da condução de um psicopata. Não consegue. E, como se nota, o mal chegou ao Supremo.

Temos um ministro capaz de conceder liminar a um agente que ele considera ilegítimo para fazer o pleito. Ignorou, assim, decisão do próprio tribunal, tomada por unanimidade, e autorizou uma prática que a ciência, não o preconceito, demonstra contribuir para espalhar o vírus e a doença. Não custa lembrar: máscara, álcool em gel e distanciamento entre pessoas são medidas prudenciais. Mesmo com elas, as aglomerações representam risco.

Já está demonstrado que o coronavírus, senhor Conká, permanece por um bom tempo no ar. E não há Deus que possa mudar isso. Ou o Altíssimo daria um tiro no seu próprio pé celestial. Imaginem se começasse a proteger os idiotas que não acreditam nos dados da ciência. Não tardaria para que os descendentes desses seus filhos começassem a adorar os Messias de araque. Os mais requintados escolheriam um chimpanzé.

Eis aí. Inicio, assim, duas campanhas:
1: Crente, não pisque para o demônio! Pix para Deus!
2: Kássio Conká, não pix para o demônio, pisque para a Constituição.

Por Reinaldo Azevedo

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