A pandemia fez surgir no Brasil um sentimento novo. É uma espécie de esperança do caos. O debate que levou a Suprema Corte brasileira a desperdiçar duas sessões vespertinas para decidir que estados e municípios podem decretar o fechamento temporário de igrejas para inibir a propagação do coronavírus é mais uma evidência do apreço que o Brasil desenvolveu pela tragédia. O avanço da pandemia revela que a estima pelo pior vem sendo plenamente correspondida.
O país está a caminho de contabilizar 400 mil mortos por covid. Estima-se que até junho o número de cadáveres pode chegar a 500 mil. Há mais braços à espera de imunização do que doses de vacina. Há mais doentes graves do que leitos disponíveis em UTIs. Quem vence o suplício da fila arrisca-se a morrer sem sedativos e oxigênio. Nesse cenário fúnebre, cristalizou-se no planeta o diagnóstico médico-científico segundo o qual é necessário conter aglomerações de qualquer natureza —religiosas, recreativas, festivas, esportivas...
Embora muitos tentem virar a lógica de cabeça para baixo, não há restrição à liberdade religiosa, um direito inalienável, consagrado na constituição. O que há é a necessidade eventual de restringir temporariamente a realização de cultos e missas presenciais, sem prejuízo das celebrações por videoconferência. No caso de São Paulo, tratado especificamente no julgamento do Supremo, a restrição se estende a bares, restaurantes, shoppings, galerias...
O atraso no uso de máscaras, na defesa do distanciamento social e na aquisição de vacinas foi um erro consciente. Mas ainda há tempo para deter a anestesia coletiva que leva à esperança do caos, à opção preferencial pelo abismo, à torcida secreta pelo pior. No momento, a própria ideia de solução tornou-se subversiva. Quando a morte deixa de ser uma tragédia para virar uma estatística, o ser humano precisa de pouca coisa: só um do outro. Nessa hora, quem defende aglomeração não desmerece a ciência. Desrespeita o sentimento cristão mais sublime: o amor ao próximo.
Por Josias de Souza
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