sexta-feira, 2 de abril de 2021

Na live do Osama, Bolsonaro faz discurso terrorista e repete "meu Exército"



Não tivesse o país batido uma nova modalidade de recorde trágico nesta quinta — a média móvel diária de mortes por covid-19 ficou acima de 3 mil: 3.119 —, talvez fosse o caso de ignorar o conteúdo da live de Jair Bolsonaro, aquela ladainha bisonha que lembra Osama bin Laden em seu cafofo a amaldiçoar o Ocidente... O presidente, no caso, amaldiçoa o bom senso e a ciência. E voltou a falar em "meu Exército". "Seu" uma ova! E o Don Giovanni da Morte tem um novo candidato a Leporello. João Roma, ministro da Cidadania, estava presente. Nota-se que tenta inaugurar um novo estilo na arte da sabujice: o puxa-saco criterioso. Vamos ver.

Cidades, país afora, estão tendo dificuldade para enterrar os seus mortos, dado o número de óbitos. Bolsonaro não está nem aí. Voltou a atacar os governadores e os prefeitos. E o fez a seu modo, com acusações irresponsáveis, sem provas, e mandando a ciência às favas.

Afirmou que "bilhões de reais" foram enviados a Estados e municípios, mas que "alguns ou muitos governadores e prefeitos usaram esses recursos para pagar folha atrasada, botar suas contas em dia e não deram a devida atenção para a saúde".

Pra começo de conversa: "alguns ou muitos"? Quais? Ele, obviamente, não sabe porque está falando o que lhe dá na telha. O negócio é se livrar de responsabilidades. Bolsonaro finge que a compensação de arrecadação do ICMS que a União mandou aos Estados deveria ser integralmente aplicada no combate à pandemia.

Trata-se de uma mentira grotesca. Ora, as unidades da federação sofreram um rombo no caixa. E, pois, tinham dificuldades para arcar com todas as despesas. O dinheiro não contava com o carimbo único da Saúde. O que ele diz em tom de acusação era parte do que foi justa e corretamente pactuado no Congresso.

MEDIDAS DE RESTRIÇÃO E DISCURSO TERRORISTA
Afirmou o presidente:
"No momento, em especial quando você vê aquela grande TV, conhecida como TV Funerária também -- o tempo todo só quer saber de mortes; não fala em número de curados -- e falando como é que está a capacidade de UTIs nos seus respectivos Estados... Ah, tá com 90%, tá com 95%. E, em função disso, justifica, para eles, medida de isolamento. No meu entender, está equivocado"

Que soma de asnices! Dane-se o seu entendimento! Que expertise técnica tem para falar a respeito? Os vários graus de restrição de circulação estão entre as medidas comprovadamente eficazes para conter a contaminação. Ademais, quando se fala de ocupação de UTIs na casa dos 90% nos Estados, isso quer dizer que pessoas já estão morrendo à espera de leitos em razão da dificuldade de transferências,

E foi nesse ponto que o mais novo Leporello entrou com seu servilismo matizado:
"Até porque, presidente, uma coisa é isolamento, e outra coisa é distanciamento (...) Usar máscara, álcool em gel, é uma conduta necessária. Mas isolamento, impedir que pais e mães de família, que, muitas vezes estão em situação precária, morando debaixo de uma Brasilit, não possa (sic) conseguir o sustento de seus filhos é uma coisa bem diferente".

Pronto! O ministro ajudou a demonizar os governadores e os prefeitos, mas de um jeito mais manso, deixando claro ser favorável ao distanciamento, seja lá o que isso signifique na prática, uma vez que está endossando o discurso do chefe, contrário a qualquer coisa que não seja uma vida normal, o que, nestes dias, é uma tese criminosa.

Pior: Bolsonaro pintou um quadro dramático de fome e miséria -- que ele atribui, de modo insano, às medidas restritivas impostas pelos governadores -- e voltou a acenar com a possibilidade de uma revolta popular. O modo como o faz fica a um palmo do convite à ação. E então disparou:
"Há um sentimento cada vez maior de revolta junto a essas pessoas. Repito aqui: eu temo por problemas sociais graves no Brasil. E como é que você vai combater isso? Eu quero repetir aqui: o meu Exército brasileiro não vai às ruas para agir contra o povo. Ou para fazer cumprir decretos de governadores e prefeitos. Não vai. O meu Exército, enquanto eu for presidente, não vai."

Os Estados estão hoje sob o assédio de arruaceiros. Tentam, de modo reiterado, jogar a população contra os governadores e fazem proselitismo aberto em favor de motins nas PMs. E, então, entra Bolsonaro: "se isso acontecer, o meu Exército não vai fazer nada".

"Seu" uma ova! O Exército pertence ao Estado brasileiro.

Ele comentou rapidamente a demissão do general Fernando Azevedo e Silva e a troca de comando nas Três Forças, negando que tenha sido um capítulo da tentativa de politização das Forças Armadas, Fingindo-se de desentendido, disse que essa politização se deu no governo Dilma, que nomeou Jaques Wagner ministro da Defesa.

Ainda sobre os militares, afirmou: 'Nosso jogo é dentro das quatro linhas da Constituição. Nós não vamos sair desse quadrado". Poderia acrescentar: "Infelizmente, é assim. Os militares não toparam as minhas maluquices".

ATAQUE À IMPRENSA
Na live em que voltou a defender tratamento precoce com hidroxicloroquina, amparando-se nas vergonhas de que é capaz o Conselho Federal de Medicina, o presidente atacou a imprensa, parabenizando os jornalistas pelo Dia da Mentira. Em seguida, comemorou a queda de lucro das empresas de comunicação.

Aí o Leporello da hora entrou em campo para dizer que até existem os bons jornalistas.

Devem ser aqueles que engraxam os sapatos de Bolsonaro. Com altivez, claro, claro...

Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário: