sexta-feira, 9 de abril de 2021

Decisão de Barroso sobre CPI se ampara na Constituição e na jurisprudência



O ministro Roberto Barroso atendeu a pedido de liminar em mandado de segurança e determinou a abertura da CPI da Covid no Senado. Fez a coisa certa. Agiu de acordo com a Constituição e com ampla jurisprudência da Casa.

O parágrafo 3º do Artigo 58 da Constituição é explícito a mais não querer. Os três únicos requisitos para que se instale uma CPI são:
1 - haver ao menos dois terços de assinaturas dos membros da Casa (Senado ou Câmara);
2 - haver fato determinado;
3 - haver a definição do tempo da investigação.

Transcrevo o trecho da Carta:
§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

O requerimento apresentado pelo senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) no dia 5 de fevereiro conta com 32 assinaturas. Numa ironia amarga, digo que o difícil é saber qual é o fato determinado — tão determinados são os fatos, uma pletora deles.

A retenção do pedido que Rodrigo Pacheco (DEM-MG) fazia era inconstitucional. E não é possível que ele não saiba disso. Havia uma justificativa política, que é plausível e legítima em ambientes de negociação, para adiar a comissão: uma CPI agora acirra um tanto os ânimos do governo. E talvez fosse melhor investir na concórdia.

Fazia sentido. Mas não só a concórdia não veio como o presidente fez questão de radicalizar o seu discurso.

A íntegra da decisão do ministro está aqui. E muito bem fundamentada. A Constituição é clara, e a jurisprudência, ampla.

Escreve Barroso em seu voto:
"O instrumento previsto no art. 58, § 3º, da Constituição assegura aos grupos minoritários do Parlamento a participação ativa na fiscalização e controle dos atos do Poder Público. Trata-se de garantia que decorre da cláusula do Estado Democrático de Direito e que viabiliza às minorias parlamentares o exercício da oposição democrática. Tanto é assim que o quórum é de um terço dos membros da casa legislativa, e não de maioria. Por esse motivo, a sua efetividade não pode estar condicionada à vontade parlamentar predominante ou mesmo ao alvedrio dos órgãos diretivos das casas legislativas. Na linha de precedentes desta Corte, "para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica meramente conceitual, torna-se necessário assegurar, às minorias, mesmo em sede jurisdicional, quando tal se impuser, a plenitude de meios que lhes permitam exercer, de modo efetivo, um direito fundamental que vela ao pé das instituições democráticas: o direito de oposição".

Irrespondível.

DECISÃO EMBLEMÁTICA
Esse caso tem uma decisão emblemática. Eu a abordo na minha coluna da Folha de hoje. Em 2007, a oposição conseguiu na Câmara o número de assinaturas para instalar uma CPI do apagão aéreo e foi prontamente atendida pelo então presidente da Casa, Arlindo Chinaglia (PT-SP).

Luiz Sérgio, líder do PT na Casa, entrou com um recurso alegando problema no requerimento. Chinagalia aceitou a questão e a levou a plenário. E, atenção!, a CPI foi derrubada pela maioria. A manobra foi bem-sucedida na Casa, mas não no Supremo.

Os oposicionistas de então recorreram ao tribunal e obtiveram uma liminar, concedida pelo ministro Celso de Mello e depois referendada por unanimidade pelos seus pares.

No acórdão, Mello lembrou que CPI é instrumento de minoria e que, cumpridas as exigências constitucionais, não pode ser obstada nem pela maioria.

Digam-me cá: os inconformados de agora acham que a Constituição tinha de ser aplicada, ainda que desagradando ao governo do PT, mas o mesmo não pode ser feito na gestão Bolsonaro?

Façam como eu e não sofrerão: aplique-se a Carta em qualquer governo.

O que lhes parece?

Por Reinaldo Azevedo

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