Convém que os partidários do surgimento de uma candidatura de centro — e ela me parece necessária — tenham um pouco mais de compostura quando tratam da decisão do Supremo Tribunal Federal. Se a virem apenas pelo ângulo eleitoral, acabarão, claro!, ficando com raiva de Lula. Até porque, se a eleição fosse hoje, é provável que qualquer dos nomes mais comumente citados como pré-candidatos vencesse o presidente. Um óbice importante: a eleição não é hoje. De toda sorte, não parece que o futuro seja muito sorridente para o presidente. Convém, no entanto, não subestimar.
Ora, à medida que as coisas se complicam para Bolsonaro e que começa a ficar claro que qualquer nome do tal centro teria condições de vencê-lo — hoje, reitero —, mais incômoda, para essas pessoas e os setores que as apoiam, se mostra a presença do ex-presidente na disputa. Daí que um Lula inelegível fosse, certamente, muito conveniente para Bolsonaro, mas também para essa turma.
Prevalecendo as regras do jogo, o petista estará na disputa se quiser. E, convenham, não dá para considerar estorvo aquele que, hoje, segundo alguns levantamentos, já aparece à frente no primeiro turno, vencendo Bolsonaro por larga vantagem no segundo. É o que aponta, por exemplo, o levantamento PoderData/Band, que foi divulgado na noite de quarta. A margem de erro é de 1,8 ponto percentual para mais ou para menos..
No primeiro turno, o ex-presidente e o atual aparecem tecnicamente empatados, com o petista numericamente à frente: 34% a 31%. Em segundo, mas bem atrás, vêm Luciano Huck (sem partido) e Ciro Gomes (PDT). João Amoedo (Novo) tem 5%, e João Doria (PSDB), 4%. Sérgio Moro (sem partido) marca 3%, e Luiz Henrique Mandetta (DEM), 2%.
SEGUNDO TURNO
Ocorre que o segundo turno é desastroso para Bolsonaro. Lula o venceria hoje por 52% a 34% -- uma vantagem de 18 pontos. Há um mês, era de apenas cinco pontos: 41% a 36%.
Também Luciano Huck bateria o presidente com folga, embora menor: 48% as 35%. No mês passado, a vantagem do apresentador era de apenas três pontos: 40% a 37%. Doria agora está em empate técnico com o atual mandatário: 37% a 38%. Em relação ao mês passado, o governador de São Paulo cresceu cinco pontos, e o presidente caiu três. Ciro e Bolsonaro estão com o mesmo número: 38%
Lula apresenta ainda algumas vantagens nesse levantamento: é quem tem o maior percentual de eleitores que só votariam nele: 37%. Dizem o mesmo sobre Bolsonaro 31%. O petista também é o candidato com a menor rejeição entre os testados: 41%. O mais rejeitado é Sergio Moro: 60%.
ANGÚSTIA DO SEGUNDO TURNO
O tal campo do "centro" terá de pensar muito bem que estratégia seguir nesse cenário. Não adianta nada vencer Bolsonaro com certa facilidade no segundo turno se não for possível chegar à etapa final, certo?
Aí algumas questões se colocam. A primeira e mais óbvia nesse cenário: parece que haver mais de um candidato nesse grupo pode significar um pacto certo com a derrota. Ciro, Mandetta, Huck, Doria e Amoedo assinaram um manifesto conjunto. Daí a sair uma única candidatura, convenham, vai uma diferença.
A segunda questão, definido o candidato, é a linguagem: quem o nome do centro tentaria tirar do segundo turno? Lula ou Bolsonaro? A demonização do petista já está incorporada ao DNA de Bolsonaro. Será que teria desta vez a mesma eficácia? Não custa lembrar que Lula deixou a cadeia há pouco mais de um ano e lidera as pesquisas. Liderou, diga-se, em 2018 mesmo preso, enquanto restava alguma esperança de que pudesse se candidatar. Mas foi mantido em cana em razão de um dos processos ora anulados — e é claro que isso conta a seu favor.
Se esse candidato de centro tentar rivalizar com Bolsonaro no reacionarismo anti-Lula, é provável que não convença. Por outro lado, vamos convir, o petista tem mais legitimidade discursiva para atacar os desastres do governo Bolsonaro porque nunca flertou com ele — no bloco do centro, apenas Ciro pode dizer a mesma coisa, ainda que com outra ênfase.
O "centro nem-nem" — nem Bolsonaro nem Lula — tem uma difícil tarefa pela frente. Talvez seja até mais fácil chegar a um nome do que chegar a um discurso. Mas, por óbvio, não é impossível.
O único erro inicial que nenhum deles pode cometer — nem o eleitorado inconformado — é atacar uma decisão tomada pelo Supremo que significa apenas o compromisso com o devido processo legal.
E, aí, já pode estar havendo uma derrapada: todos os centristas, exceção feita a Ciro (que é de centro-esquerda, na verdade), estão perigosamente perto de Moro — aquele em quem 60% dos eleitores não votariam de jeito nenhum.
Moro parece um grande ativo eleitoral. Mas é, de fato, uma soma de rejeições.
Por Reinaldo Azevedo
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