Impossível enxergar a olho nu vestígios de sanidade na forma como Bolsonaro lida com a pandemia. O presidente fez uma opção preferencial pelo grupo de risco. Briga com os fatos mais ou menos como o sujeito que salta do décimo andar e, ao passar pelo oitavo, proclama aliviado: "Até aqui, tudo bem."
No dia em que o Brasil registrou pela primeira vez mais de 4 mil mortes por covid em 24 horas, o capitão criticou novamente medidas de isolamento social adotadas por estados e municípios para evitar ou atenuar o colapso das UTIs.
Presidente que prega o retorno a uma hipotética "normalidade" sem fornecer vacinas na quantidade necessária para atingir a imunidade coletiva condena sua Presidência à anormalidade.
Bolsonaro acha que se imunizou politicamente ao entregar a coordenação política do governo para o centrão. Engano. A tribo de Arthur Lira e Valdemar Costa Neto revela-se capaz de tudo, exceto de cometer suicídio político.
A lealdade dos aliados de Bolsonaro tende a diminuir na proporção direta do aumento do número de cadáveres. A Fiocruz, fundação vinculada ao Ministério da Saúde, alertou nesta terça-feira abril será outro mês duro de roer.
A pandemia deve permanecer em "níveis críticos" durante o mês de abril, "prolongando a crise sanitária e o colapso nos serviços e sistemas de saúde nos Estados e capitais brasileiras".
De acordo com o Boletim Extraordinário do Observatório Covid-19, elaborado pela Fiocruz, houve um aumento na taxa de letalidade da covid. Subiu de 3,3% para 4,2%.
O Brasil pós-redemocratização elegeu cinco presidentes pelo voto direto: Collor, FHC, Lula, Dilma e Bolsonaro. Dois foram enviados para casa antes de concluir o mandato: Collor e Dilma. Uma taxa de mortalidade de 40% —praticamente dez vezes maior do que o índice de letalidade do vírus.
Há nas gavetas do deputado Arthur Lira, o réu que preside a Câmara, sete dezenas de pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Por muito menos, o então presidente da Câmara Eduardo Cunha, mentor de Lira, colocou para andar o pedido de deposição de Dilma.
Falando com um grupo de devotos na porta do Alvorada, Bolsonaro recusou-se a comentar os 4.211 corpos do dia. Preferiu espinafrar a estratégia do isolamento social.
Numa pandemia, depois da insanidade costuma vir a cobrança. Como Bolsonaro não dispõe de um plano mirabolante de retorno à normalidade sem restrições, tende a se tornar um aliado tóxico.
Aos pouquinhos os aliados do Planalto começam a fazer exercícios de futurologia. Muitos já avaliam que, se concluir o mandato, Bolsonaro fará campanha em 2022 não nas redes sociais, mas ao lado de uma pilha de cadáveres. Não será fácil recrutar companhia.
Por Josias de Souza
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