segunda-feira, 12 de abril de 2021

Bolsonaro e Kajuru tramam contra o Legislativo e o Supremo



CONSPIRAÇÃO I

Depois do alçapão que havia no fundo do poço, ainda se escondia um abismo secreto. É estupefaciente! O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) divulgou uma conversa que gravou com o presidente Jair Bolsonaro em que fica evidente que ambos estão:

a: conspirando contra uma CPI -- e, pois, contra o Poder Legislativo;
b: conspirando contra o próprio Supremo Tribunal Federal.

A conversa é tão elevada, douta e culta que Bolsonaro corrigiu o português de Kajuru, que afirma, num dado momento, que o ministro Roberto Barroso, do STF, é "pretento" para determinar que o presidente do Senado dê andamento a pedidos de impeachment contra ministros do Supremo. Bolsonaro corrigiu: "Prevento". Acertou na palavra, mas continuou errando na tese asnal. O esgoto moral escorre abismo abaixo.

Só para lembrar: Kajuru e Alessandro Vieira (SE), seu colega de partido, são autores do Mandado de Segurança que pedia imediata instalação da CPI da Covid. Barroso concedeu liminar determinando a instalação da comissão, e a medida cautelar será julgada pelo pleno do tribunal na quarta.

Acompanhe os posts abaixo. Vou demonstrar por que essa conversa foi gravada e divulgada de caso pensado, com o intuito de intimidar o Supremo e melar a investigação.

Ocorre que também esse tiro saiu pela culatra porque:
- só a própria CPI pode ampliar escopo de investigação se aparecer fato conexo;
- Supremo não pode obrigar presidente do Senado a encaminhar pedido de impeachment contra ministros da Corte;
- senador e presidente que conspiram contra prerrogativa do Legislativo e contra o Poder Judiciário cometem crimes.

CONSPIRAÇÃO II: 
Kajuru, Vieira e Bolsonaro se aliam contra a investigação

Jorge Kajuru: ele gravou conversa com Bolsonaro. Deve ter achado que era uma grande ideia. Os dois cometeram crimes Imagem: Jorge William / Agência O Globo

O senador Jorge Kajuru (Cidadania-GO) é um queridinho do bolsonarismo e do subjornalismo que lhe presta serviços. Alessandro Vieira (Cidadania-SE) não chega a tanto, mas desgostado não é, até porque é o pai da tese da CPI da Lava Toga, uma estrovenga inconstitucional de várias maneiras combinadas.

Como ambos são os autores do mandado de segurança que levou Roberto Barroso a determinar a abertura da CPI — cujo requerimento é de autoria de Randolfe Rodrigues (Rede-AP) —, passaram a apanhar das milícias bolsonarianas nas redes. E os dois, agora, estão tentando livrar a própria cara.

Kajuru gravou a sua conversa com o presidente da República e a divulgou nas redes. No papo, note-se, Bolsonaro se mostra mais bem-informado e mais culto do que o senador. Entenderam???

Bolsonaro afirma:
"É uma CPI completamente voltada para a minha pessoa".

Responde Kajuru:
"Não, presidente! Mas a gente pode convocar governadores".

O presidente retruca e com acerto:
"Se você não mudar o objeto da CPI, você não pode convocar governadores".

E o senador:
"Mas eu vou mudar. Eu quero ouvir governadores".

Bolsonaro responde: "Se você mudar, dez pra você". E dá a receita:
"Então o que você tem de fazer? Tem de mudar o objetivo da CPI: ela tem de ser ampla.(...) O Objetivo da CPI, como está lá, é investigar omissões do governo no trato da Covid."

Kajuru se dedica, em seguida, a rapapés, pedindo que não seja tratado como os demais senadores que querem CPI. O presidente explica de novo:
"A CPI como está hoje é para investigar omissões do presidente Jair Bolsonaro. Ponto final."

E continua:
"Kajuru, se não mudar o objetivo da CPI, ela vai só vir pra cima de mim. "

O senador volta a falar bem de si mesmo, dizendo que não concorda com coisas erradas -- ohhh --, e Bolsonaro volta à carga:
"Kajuru, veja já o que tem de fazer para fazer com que uma CPI seja útil para o Brasil, mudar a amplitude dela. Botar governadores e prefeitos. Presidente da República, governadores e prefeitos. Se não mudar a amplitude, a CPI vai simplesmente ouvir o Pazuello, ouvir gente nossa, para fazer um relatório sacana. Tem que fazer do limão uma limonada. Por enquanto, é um limão que tá aí. Dá para ser uma limonada"

AOS FATOS!
Prestem atenção! Ao determinar que a CPI fosse instalada, o ministro Roberto Barroso lembrou que ela cumpre os três requisitos da Constituição: assinatura de ao menos um terço dos membros da Casa, fato determinado e prazo certo.

Não! O requerimento da CPI não permite a investigação de governadores e prefeitos. A menos que, no curso da comissão, apareçam fatos conexos. Lembro qual é o objeto, definido por Randolfe Rodrigues, autor do requerimento que conta até agora 33 assinaturas -- ou 32, já que Major Olímpio morreu:
"Ações e omissões do governo federal no enfrentamento da pandemia da Covid-19 no Brasil e, em especial, no agravamento da crise sanitária no Amazonas, com falta de oxigênio para os pacientes internados".

Eis a o "fato determinado" que está no pedido. E é essa CPI que Barroso mandou instalar.

PETIÇÃO DE ALESSANDRO VIEIRA
Percebi neste sábado que estava em curso um golpe contra a CPI. O senador Alessandro Vieira apresentou uma petição ao presidente do Senado pedindo que estados e municípios fossem incluídos na investigação. Escrevi um tuíte a respeito e depois um texto neste blog.

Acusei o óbvio: na prática, tentava-se sabotar a CPI. Estão querendo mudar de forma cartorial o objetivo da Comissão e o fato determinado que conta com a assinatura dos senadores. Uma CPI que tivesse como alvo investigar a ação ou omissão da União, do governo federal, de 27 unidades da federação e de 5.570 municípios teria de ser declarada inconstitucional. Afinal, qual seria o fato determinado?

Ao pedir que se mude o objeto — e Alessandro Vieira já havia feito petição para o presidente do Senado —, o que se quer é inviabilizar a comissão. E Bolsonaro deixa escapar esse desejo.

Um senador e o presidente da República unidos para impedir que a CPI, conforme o conteúdo do seu requerimento, seja instalada. É do balacobaco!

Nas palavras de Bolsonaro, "limão" é investigar o governo federal; e "limonada", os governadores e prefeitos. Kajuru, como a conversa deixa claro, está com ele. E Alessandro Vieira, por óbvio, também.

Vieira me ligou no sábado, depois do meu Twitter. Não era conversa em off. Afirmei a ele que o governo queria exatamente aquilo que estava em sua petição. Como a conversa gravada deixa claro agora, eu estava certo.

Só para lembrar: o pedido do senador tem endereço errado. O presidente do Senado não pode mudar o objeto de uma CPI já protocolada. Se for instalada, tem de ser segundo o fato determinado que consta do requerimento.

É espetacular: os dois senadores que entraram com Mandado de Segurança para que a comissão de investigação fosse instalada agora atuam contra ela.

Se era cálculo desde o começo, foi um tiro no pé.

Conspiração III:
Presidente e senador combinam como intimidar o Supremo

Alexandre de Moraes, o alvo da hora: ministro virou alvo do bolsonarismo depois de ter mandado investigar
membros da extrema direita fascistoide, aliada do presidente Imagem: Rosinei Coutinho/STF

Conspiração III:
Presidente e senador combinam como intimidar o Supremo

A conversa entre Jorge Kajuru e Jair Bolsonaro vai por caminhos muito perigosos. O que vocês leram acima já caracteriza quebra de decoro do parlamentar e crime de responsabilidade do presidente. A coisa vai piorar bastante. Os dois passam a falar abertamente de ações de intimidação contra o Supremo.

Bolsonaro: Tem que, e acho que você já fez alguma coisa, tem que peticionar o Supremo pra botar em pauta o impeachment [de ministros] também.

Kajuru: E o que é que eu fiz? O senhor não viu o que é que eu fiz, não?

Bolsonaro: É, parece que você fez. Você fez para investigar quem?

Kajuru: O Alexandre de Moraes, uai.

Bolsonaro: Tudo bem!

Kajuru: Eu tenho de começar pelo Alexandre de Moraes porque o [pedido contra] Alexandre de Moraes meu já está lá, engavetado pelo Pacheco. Só falta ele liberar. Correto?

Bolsonaro: Você peticionou o Supremo, né?

Kajuru: Sim, claro! Eu entrei contra o Supremo. Entrei ontem, às 17h40.

Bolsonaro: Parabéns para você!

O senador, então, volta a implorar elogios do presidente. Bolsonaro responde:
"Kajuru, nós estamos afinados, nós dois. É CPI ampla e investigar os ministros do Supremo. Dez pra você. Pode deixar que, tendo oportunidade de conversar com a mídia, cito a minha conversa contigo: CPI ampla do Covid e também do Supremo, né?...!

O senador, mais uma vez, mendiga um elogio:
"O que é difícil pra mim, presidente, é que eu tenho uma posição como essa, aí todo mundo vem contra mim porque a fala do senhor generaliza todo mundo...

E Bolsonaro responde:
"Kajuru, qualquer pessoa que vier falar comigo, eu vou dizer: 'Olha, o Kajuru foi bem-intencionado. Só que a CPI é restrita. Ele agora vai fazer o possível para fazer a CPI ampla. Da minha parte, sem problema nenhum. Ele já peticionou o Supremo, que deve ser o próprio Barroso...

Kajuru interrompe:
"Deve ser, não, tem que ser. Por causa daquela palavra jurídica 'pretento' (sic). Juridicamente, ele é obrigado a opinar. Ele não pode colocar em nome de outro ministro.

E o presidente corrige o senador:
"É prevento!"

Kajuru, que já atuou como jornalista, é o único brasileiro que teve o português corretamente corrigido por Bolsonaro.

A correção não haveria de ser moral. Uma dupla impossibilidade.

Conspiração IV: 
Conversa é criminosa; Bolsonaro aposta que tudo dá em nada

Rodrigo Pacheco: ninguém, nem STF, pode obrigar presidente do Senado a encaminhar denúncia contra
ministro do Supremo ou procurador-geral da República Imagem: Jefferson Rudy/Agência Senado

Há duas coisas que precisam ficar claras. Assim como o presidente da Câmara pode, monocraticamente, jogar no lixo uma denúncia por crime de responsabilidade contra o chefe do Executivo, o do Senado pode fazer a mesma coisa com denúncias contra ministros do Supremo ou o procurador-geral da República.

A conversa entre o senador Jorge Kajuru e o presidente Jair Bolsonaro, segundo a qual Roberto Barroso estaria obrigado a impor a Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, que dê encaminhamento a denúncias contra ministros do Supremo é uma burrice, uma estultice, uma bobagem sem tamanho.

Isso não quer dizer que a conversa da dupla não seja conspiração aberta contra o Congresso e contra o Supremo.

Parem, coleguinhas, de dizer que Jair Bolsonaro pressionou Kajuru. É o senador quem fica o tempo todo se oferecendo ao presidente da República — o que não quer dizer que este também não tenha cometido crime.

Olhem aqui: parece-me evidente que Bolsonaro sabia que estava sendo gravado. Se não sabia, ficou sabendo antes da divulgação, segundo Kajuru — ou, então, o presidente que o processe. Mas não vai, certo?

Não é possível que não tenham dito a Bolsonaro que o encaminhamento de um pedido de impeachment de ministro do Supremo tem um primeiro ato monocrático do presidente do Senado. E é claro que Rodrigo Pacheco não fará isso. Como é claro que Barroso não ordenará que o faça porque sabe que não tem poder para isso. Assim como ninguém pode obrigar Arthur Lira a mandar adiante uma das 60 e poucas denúncias que há contra o presidente da República.

Essa conversa é uma tentativa desesperada de intimidar o Supremo, pautados ambos pela mais absoluta ignorância. Bolsonaro diz com todas as letras:
"Eu acho que o que vai acontecer. Eles vão (inaudível). Não tem CPI nem tem investigação de ninguém do Supremo"

E Kajuru responde:
"Bota tudo. Ou zero a zero"

E Bolsonaro, num indício de que sabia que estava sendo gravado:
"Eu sou a favor de botar tudo pra frente."

Minhas caras, meus caros. Tanto o senador como o presidente estão cometendo crimes. Ambos se articulam claramente contra dois Poderes da República. O fato de Kajuru ter gravado a conversa, tornando-a pública ele próprio, não altera em nada a agressão à ordem legal.

Por Reinaldo Azevedo

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