segunda-feira, 23 de setembro de 2019

O que é o excludente de ilicitude e qual a relação com o caso Ághata


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Ághata Felix morreu após ser atingida por tiro
em operação policial no Complexo do Alemão

A comoção provocada pela morte de Ághata Félix, 8, colocou na berlinda um dos pontos mais polêmicos do pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça), a ampliação do excludente de ilicitude. Mas, afinal, o que diz o Código Penal sobre o assunto e como o ministro pretende alterá-lo? 

"O excludente de ilicitude permite que uma pessoa cometa um crime e não seja punido por ele", explica o advogado criminalista Celso Vilardi, professor de direito penal da FGV (Fundação Getulio Vargas). "É quando uma pessoa mata outra em legítima defesa ou um criminoso é morto por um policial durante confronto."

O tema, previsto no artigo 23 do Código Penal, se aplica a três casos: 

1) Em estado de necessidade; 

2) Em legítima defesa; 

3) Em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito; 

O professor explica: Em "estado de necessidade" é quando a situação envolvendo mais de uma pessoa fica crítica e alguém acaba morrendo. "Um exemplo é quando duas pessoas disputam uma boia no mar, e uma delas morre afogada." 

Quando o assassinato se dá em "legítima defesa", "própria ou de terceira", o autor também está livre de penalização. "Matou porque, do contrário, poderia morrer", explica o advogado. 

O terceiro caso (estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito) se enquadra quando o assassinato é praticado por alguém "em dever de ofício, como os policiais". 

O mesmo valeria para um pugilista que não pode ser processado pelos golpes no adversário porque exerce o direito de praticar aquele esporte, ou para o cirurgião que precisou cortar os tecidos de um paciente em uma operação, e não pode ser processado por lesão corporal. 

Em todos os casos, o parágrafo único da lei diz, no entanto, que o agente "responderá pelo excesso".

O que o projeto de Moro quer mudar? 

A proposta de Moro pode tornar inócuo o Parágrafo Único ao permitir que o juiz reduza pela metade a pena do acusado ou até mesmo deixe de aplicá-la caso "o excesso decorrer de escusável medo, surpresa ou violenta emoção". A proposta diminuiria a insegurança policial durante a ação, segundo seus defensores. 

A possibilidade de reduzir ou mesmo isentar de pena policiais que matam durante o trabalho foi uma das bandeiras de campanha de Jair Bolsonaro (PSL), que já pré-candidato afirmou em 2017: "[O policial] agiu, trabalhou, houve algo de errado? Responde, mas não tem punição (...) alguns falam: 'você quer dar autorização para o policial matar?' Quero, sim'".

Moro e Bolsonaro defendem a flexibilização do excludente de ilicitude - Pedro Ladeira/Folhapress
Moro e Bolsonaro defendem a flexibilização do excludente de ilicitude

Já para os críticos, o excludente de ilicitude no projeto de Moro pode dar imunidade para policiais e militares que matarem pessoas em serviço. Na prática, seria uma licença para matar. 

Para o advogado, a proposta do ministro "é um absurdo". "O excludente de ilicitude já absolve quem tenha agido com moderação. A reação tem de ser proporcional à ameaça, ou quem toma um tapa na cabeça vai revidar descarregando uma arma. Estão querendo inventar a roda."

"Essa norma foi inventada pelo presidente com surpreendente apoio do Moro, que só a incluiu na lei para agradar Bolsonaro. Como juiz ele sabe que o Código Penal não precisa desta mudança". 
Celso Vilardi, professor de direito penal da FGV

Para o criminalista, o policial não pode ter "licença para matar" porque está "nervoso". "Ele tem de estar preparado porque foi treinado para atuar em situação limite. Ele só será condenado se tiver a opção de prender, mas preferir fuzilar."

Ághata Felix morreu após ser atingida por tiro em operação policial no Complexo do Alemão - Reprodução/Twitter
Ághata Felix morreu após ser atingida por tiro
 em operação policial no Complexo do Alemão
Em nota técnica assinada em maio por 31 magistrados, a Associação dos Juízes Federais do Brasil criticou a expressão "violenta emoção". "Da forma como redigida a norma, essa exculpação seria bastante utilizada nos frequentes casos de feminicídio." 

"Depois de flexibilizar a legislação sobre o desarmamento e, consequentemente, em certa medida, armar a população, propor a exculpação do excesso de legítima defesa praticado por medo, é algo preocupante", diz trecho da nota.



Ághata 

O professor Vilardi diz acreditar que, se o projeto de Moro já estivesse em vigor, o responsável pela morte da menina Ághata poderia se livrar da cadeia "porque ele vai dizer que estava em clima de tiroteio". 

"O discurso do presidente e do governador do Rio, Wilson Witzel, já torna normal o excesso policial. Se virar lei, vira tragédia"

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