quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Congresso acerta; deveria ter derrubado 33 vetos



O Congresso derrubou 18 dos 33 vetos que o presidente Jair Bolsonavo havia feito ao projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade. Fez bem. Só não fez muito bem porque não derrubou os 33. Ainda assim, há um avanço no combate ao estado policial que alguns pretendem impor no Brasil. Está de parabéns, mais uma vez, o presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Foi uma justa e necessária reação à decisão destrambelhada do ministro Roberto Barroso, do Supremo, que autorizou o espalhafatoso ato de busca e apreensão no gabinete de Fernando Bezerra (DEM-PE), líder do governo no Senado. Não custa lembrar: a decisão se deu contra parecer da Procuradoria-Geral da República.

Algumas considerações se fazem necessárias. Com efeito, Alcolumbre conduziu uma antecipação da votação dos vetos, que estava prevista para outubro, durante a ausência do presidente Jair Bolsonaro, que estava na ONU proferindo seus impropérios, acompanhado, entre outros, do ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, que responde pela coordenação política.

Será que, estivesse no Brasil, a intervenção de Ramos teria mudado a disposição dos senadores? A resposta é "não". E duvido que outro teria sido o comportamento de Alcolumbre. A ausência de Bolsonaro até pode ter facilitado as coisas, mas não no sentido que se atribui por aí. Diria que o Senado deixou claro que a resposta nem é dirigida propriamente ao presidente, mas à Polícia Federal, ao ministro Sérgio Moro e, sim, a Barroso.

Bolsonaro, se bem se lembram, vetou tudo o que lhe pediram Moro, Ministério Público, AGU e até o garçom que serve no Palácio justamente porque não queria ser judicioso a respeito; não queria se comprometer. Ele próprio evidenciou que considera haver abusos que precisam mesmo ser coibidos. E, ao fazê-lo, quase que deixou no ar um convite: o assunto agora é com o Congresso. Ou por outra: disse um "vetem à vontade". E os senadores vetaram o que julgaram ser conveniente.

Reitero: por meu gosto, o projeto teria sido mantido na íntegra. Sim, eu acho que tem de ser punido quem decreta medida de privação da liberdade contrariando as hipóteses legais. As leis que tratam das hipóteses de prisão são claras. Quem aí quer ficar apenas por conta do arbítrio deste ou daquele? Era um dos vetos de Bolsonaro. Não é mais. Sim, eu acho que tem de responder legalmente quem deixa de conceder um habeas corpus havendo manifesta razão para tanto. Vejam a lista dos vetos derrubados e mantidos.

De toda sorte, não existe punição automática para nada. O Ministério Público segue sendo o titular da ação penal. E a decisão será sempre a de um juiz. O texto aprovado serve como elemento de contenção de candidatos a tiranetes de repartição. "Ah, mas agora não se combate mais a corrupção!" Isso é uma estupidez falaciosa. A menos que se considere que tal mister só pode ser cumprido ignorando-se garantias fundamentais.

É claro que a Lava Jato, por intermédio do Ministério Público Federal, da Polícia Federal e de alguns de seus esbirros no Judiciário, esticaram a corda além do limite. E uma reação se impôs. E olhem que ela já vem tarde. Se o festival de prisões preventivas arbitrárias tivesse sido contido antes, o país estaria, acreditem, em melhor lugar. Ocorre que as forças que integram o que chamo de Papol (Partido da Polícia) perceberam que o combate à corrupção é uma causa justa e resolveram, por isso, ir muito além do que lhes permite a ordem legal porque constataram que a lei que punia abusos era fraca. E assim a Lava Jato operou, sob o comando de Sergio Moro, um verdadeiro aparelhamento de órgãos do Estado.

Não se desmonta esse estado paralelo da noite para o dia, não! Mas isso precisa ser feito.

Deixo, a propósito, desde já uma sugestão a quem quer complementar o combate ao abuso de autoridade. Precisamos de uma nova lei — tal dispositivo não está no texto aprovado — que proíba procuradores e policiais federais de conceder entrevistas coletivas depois de realizadas operações em que investigados que nem réus ainda se tornaram são submetidos a um verdadeiro pelotão de fuzilamento, sem direito à defesa. Ora, afinal, quem fala nesses casos é a fatia do Estado que investiga e aquela que é titular da ação penal. Tal prática viola descaradamente o Inciso LV do Artigo 5º da Constituição: "Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes". Se o Estado monta uma entrevista coletiva para operar um julgamento extrajudicial, onde está a "ampla defesa"?

"Ah, mas Alcolumbre até adiou para a próxima semana a votação da reforma da Previdência, dando prioridade a essa questão do abuso de autoridade…" Seria mais um sinal de confronto com o governo? Não! Trata-se apenas de evidenciar que a questão é séria o bastante a ponto de levar ao adiamento. Convenham: uma semana a mais ou a menos não faz a menor diferença para a reforma. 

E acertou também Alcolumbre ao procurar Dias Toffoli, presidente do STF, acompanhado de uma comitiva de senadores, para apresentar um recurso à decisão de Barroso e criticar a operação da semana passada contra o líder do governo no Senado.

No fim das contas, acho que vou aplaudir o destrambelhamento da PF, de Moro e de Barroso. Provocou uma justa e correta reação do Congresso aos partidários do Papol.

Por Reinaldo Azevedo

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