domingo, 8 de setembro de 2019

De Batman a Elektra: os quadrinhos censurados da história


Capa de 'Batman: The Murder Machine' (Batman: A Máquina Mortífera)
Capa de 'Batman: The Murder Machine'
 (Batman: A Máquina Mortífera) (DC Comics/Divulgação)

Em um plot twist digno do universo dos super-heróis, a história em quadrinhos “Vingadores: a cruzada das crianças” esgotou na Bienal do Rio, depois de o prefeito Marcelo Crivella ter decretado o recolhimento da obra devido a presença de conteúdo “impróprio”: um beijo gay entre dois personagens que, diga-se de passagem, são parte de uma edição publicada há mais de 8 anos. Nesta sexta-feira, a tentativa de censura imposta pelo ex-bispo da Igreja Universal e barrada pela Justiça do Rio ficou entre os assuntos mais comentados do Twitter, onde amantes da nona arte recordaram como as HQs, que nasceram voltadas para o público adulto, sempre foram terreno fértil para a subversão, motivo pelo qual estiveram diversas vezes no paredão da moral e dos “bons costumes”.

Nos anos 1950, o trabalho do psiquiatra americano Fredric Wertham, que culpava as histórias de super-herói pela delinquência juvenil (tema de sua obra mais famosa, “A Sedução do Inocente”), foi o pontapé para o nascimento de um código de regulação entre as próprias editoras, acuadas diante da possibilidade de processo. Durante décadas, o “Comic Code Authority”, criado pela Associação Americana de Revistas em Quadrinhos, minou a outrora lucrativa indústria das HQs pornográficas e de terror. “A partir daí, os quadrinhos, que sempre tiveram histórias densas, se infantilizaram, criando uma ‘pecha’ que perdura até hoje”, explica a cineasta Gabriela Franco, criadora do portal Minas Nerds.

O código funcionou até meados da década de 1970, quando os ventos da contracultura voltaram a arejar a nona arte, dando origem a um novo ciclo de publicações. Vez ou outra, entretanto, o tema volta à baila – nem sempre relacionado a questões sexuais. “Por muito tempo, os criadores evitavam mostrar perfurações”, lembra o crítico cultural Dionisius Amendola, do canal Bunker do Dio. “Na prática, se o cara tomava uma facada, a faca não podia aparecer do outro lado. Hoje, implica-se com qualquer coisa que envolva minorias, quer a história seja boa ou ruim. Há uma guerra barulhenta que tenta impedir artistas e criadores de explorarem suas ideias”, explica. Veja, a seguir, alguns quadrinhos que já foram censurados:

Batman

Aos olhos da modernidade pode parecer piada, mas o Homem-morcego já foi, sim, acusado de promover a homossexualidade. Na obra “A Sedução do Inocente”, Wertham afirmava que a relação entre Batman e seu fiel escudeiro Robin era mais do que de mestre e pupilo, só porque os dois dormiam no mesmo lugar. Anos depois, a clássica HQ “A Piada Mortal” seria impedida de circular por conta de uma suposta apologia ao estupro, protagonizada pelo vilão Coringa e pela filha do comissário Gordon, a futura Batgirl.

Sandman

Primeira HQ a entrar na lista de best-sellers do New York Times, a saga de Sonho, criada pelo roteirista britânico Neil Gaiman, sempre foi vista como subversiva. Desde seu lançamento, em 1989, a obra enfrentou problemas nas bibliotecas americanas, por conter linguagem ofensiva e ideias “contra a família”. Então, em 2010 a American Library Association (ALA) chegou a listar Sandman como a “mais frequentemente banida e desafiadora graphic novel de todos os tempos”. A principal acusação, contudo, era que a série era inadequada para o grupo etário – mesmo quando presente nas prateleiras destinadas a jovens adultos.

Elektra

A história da ninja mercenária criada pelo célebre quadrinista Frank Miller foi a protagonista, ao lado de outras HQs, de um imbróglio que durou três anos. Em 1986, o americano Michael Correa, gerente de uma comics shop em Lansing, Illinois, foi preso por causa do material de divulgação dos quadrinhos. O policial que fez o apreendeu, Sargento Jack Hoestra, alegou que os anúncios continham um “excesso de influências satânicas”. O dono da loja tenha sido condenado culpado no julgamento, o juiz da sentença decidiu que, apesar dos quadrinhos serem “bizarros”, eles não continham conteúdo obsceno. O caso mobilizou cartunistas de toda a indústria, união que resultou na criação da Comic Book Legal Defense Fund, uma organização destinada à proteção da liberdade de expressão nos quadrinhos.

Y: o último homem

Os machos de todas as espécies da terra morrem – exceto por um homem e seu macaco de estimação, obrigados a enfrentar organizações políticas, grupos militares e facções terroristas formadas apenas por mulheres. Em 2015, a multipremiada trama de Y: o último homem foi alvo de uma tentativa de censura na Universidade de Crafton Hills da Califórnia, quando um rapaz de 20 anos e seus pais afirmaram que o professor responsável deveria ter avisado à classe quanto ao conteúdo “pornográfico” da HQ. A faculdade chegou a notificar o departamento responsável pelo curso, mas nada aconteceu.

Persepolis

Lançada 2000, a história da jovem iraniana Marjane Satrapi sobre a infância em meio à revolução que abalou seu país sempre esteve no centro de discussões acaloradas. Muita escolas de ensino fundamental e médio chegaram a adotar a HQ como parte do material didático. Em 2013, entretanto, o governo de Chicago ordenou que as escolas públicas recolhessem todos os exemplares do livro. No ano seguinte, no Texas, a obra foi banida por ser considerada “literatura iraniana” – embora a proposta da trama seja, justamente, denunciar os movimentos fundamentalistas islâmicos.

Na Veja

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