No seu primeiro discurso na Assembleia Geral das Nações Unidas, Jair Bolsonaro proclamou: "Apresento aos senhores um novo Brasil, que ressurge depois de estar à beira do socialismo." Disse que seus antecessores "desviaram centenas de bilhões de dólares". Mas se deram mal, pois "foram julgados e punidos graças ao patriotismo, perseverança e coragem de um juiz que é símbolo no meu país, o doutor Sergio Moro, nosso atual ministro da Justiça." Enquanto o presidente desfilava seu júbilo em Nova York, o "novo Brasil" apodrecia em Brasília.
Horas depois da estreia de Bolsonaro na ONU, seu líder no Senado, Fernando Bezerra, escalou a tribuna para discursar sobre a acusação de que recebeu R$ 5,5 milhões em propinas na época em que foi ministro da Integração Nacional do velho Brasil presidido por Dilma Rousseff. Disse pouco em sua defesa. Preferiu queixar-se da batida policial realizada em seus endereços pela Polícia Federal, subordinada ao "símbolo" Sergio Moro. O líder do orador da ONU fez pose de perseguido.
"Fui vítima de uma operação política, articulada para atingir o Congresso Nacional e o governo do presidente Jair Bolsonaro, do qual tenho a honra de ser líder no Senado Federal", declarou o senador. Embora não se considere alvo da investigação criminal, Bezerra evocou sua condição de cliente de caderneta da Lava Jato para expressar sua fé no futuro.
"Pela ausência de elementos comprobatórios, [o caso] terá o mesmo destino de outras acusações que enfrentei: o arquivamento. Inclusive com força de decisão do Supremo Tribunal Federal. Que fique claro, senhores parlamentares, não temo as investigações. Digo com veemência que jamais excedi os limites impostos pela lei e pela ética".
A despeito do destemor, Bezerra pediu ao Supremo Tribunal Federal que ordene a devolução de todo o material recolhido pelos rapazes da Polícia Federal, por tratar-se de prova ilícita. O senador foi socorrido também pela advocacia do próprio Senado, que preparou petição sobre a suposta ilegalidade dos mandados de busca e apreensão expedidos pelo ministro Luís Roberto Barroso, da Suprema Corte.
Formou-se ao redor de Bezerra um denso e comovente cinturão de solidariedade. Inclui do PT, sócio majoritário do MDB de Bezerra nos governos que levaram o Brasil "à beira do socialismo", até o DEM de Davi Alcolumbre, guindado à presidência do Senado com o apoio do chefe da Casa Civil Onyx Lorenzoni, um ministro do "novo Brasil".
Sob a liderança de Alcolumbre, uma caravana pluripartidária de 15 senadores cruzou a Praça dos Três Poderes para entregar a Dias Toffoli, presidente do Supremo, o recurso preparado pela advocacia do Senado. Os defensores de Bezerra revelam-se capazes de quase tudo, exceto de tomar as dores de quem lhes paga o salário: o brasileiro em dia com suas obrigações tributárias.
Indefeso, o contribuinte assiste ao início da exposição dos achados da PF. Relatório enviado pelo delegado Edson Lopes ao ministro Barroso empilhou itens encontrados nos endereços de Bezerra e do seu primogênito, o deputado Fernando Coelho Filho, também sob investigação. Há coisas constrangedoras na lista —de dinheiro vivo a arquivo digital chamado "doadores ocultos"; de indícios de transferências imobiliárias a um automóvel registrado no nome de empresa cujo sócio é investigado como operador do esquema sob investigação.
Por enquanto, Bezerra e seu filho silenciam sobre os indícios. O silêncio de ambos não resolve o problema, mas é extremamente útil para ouvir os ruídos da reação corporativa do Legislativo. Em meio ao sacolejo, culpados e cúmplices se uniram no plenário do Congresso para derrubar 18 dos 33 vetos que Bolsonaro havia aplicado à lei sobre abuso de autoridade.
Foram restaurados artigos que o "símbolo" Sergio Moro considera inibidores do trabalho de juízes, procuradores e investigadores. Mantido o padrão da contraofensiva, o país "socialista" resgatado por Bolsonaro à "beira do abismo" logo acusará o "novo Brasil" de plágio.
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