Os seis procuradores lotados na Procuradoria Geral da República encarregados da Lava Jato resolveram pedir seu desligamento nesta quarta-feira. Encaminharam a seus colegas um comunicado algo lacônico informando a saída coletiva. O pretexto é um suposto inconformismo com uma decisão de Raquel Dodge, procuradora-geral, que está se despedindo da função. De fato, o ato busca pressionar o presidente Jair Bolsonaro, que pode anunciar nesta quinta o seu indicado para o cargo de Raquel.
O Ministério Público Federal está se desintegrando. No que vai dar? Difícil saber. A gestão de Rodrigo Janot, antecessor de Raquel, à frente da Procuradoria Geral da República transformou o órgão em refém da Lava Jato. Os diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil e parceiros evidenciaram de maneira escandalosa e constrangedora que o MPF foi tomado de assalto por uma suposta vanguarda que atua à revelia da lei e à margem das regras que organizam o Estado brasileiro.
Desde que assumiu a PGR, a procuradora-geral passou a ser alvo desse bunker instalado no MPF, que buscava constrangê-la para ditar a sua própria agenda. O último ato estrepitoso de parte da turma, então, veio a público nesta quarta.
Raquel Branquinho, Maria Clara Noleto, Luana Vargas, Hebert Mesquita, Victor Riccely e Alessandro Oliveira se limitaram a escrever:
"Devido a uma grave incompatibilidade de entendimento dos membros desta equipe com a manifestação enviada pela PGR ao STF na data de ontem (03.09.2019), decidimos solicitar o nosso desligamento do GT Lava Jato e, no caso de Raquel Branquinho, da SFPO [Secretária da Função Penal Originária]. Enviamos o pedido de desligamento da data de hoje. Foi um grande prazer e orgulho servir à Instituição ao longo desse período, desempenhando as atividades que desempenhamos. Obrigada pela parceria de todos vocês. Nosso compromisso será sempre com o Ministério e com a sociedade."
E qual é a "grave incompatibilidade" alegada pelos senhores procuradores? Ao encaminhar para o ministro Edson Fachin o acordo de delação de Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, Raquel deixou claro não ver razões para apurar as respectivas condutas do presidente do STF, Dias Toffoli, e do presidente da Câmara, Rodrigo Maia.
Mas por que haveria de ser diferente? Pinheiro afirmou em delação ter repassado propina e recursos pelo caixa dois a José Ticiano Dias Toffoli, irmão do ministro e então prefeito de Marília, nos anos de 2011 e 2012. Um inquérito da PF aponta supostos "favores políticos" de Maia à OAS nos anos de 2013 e 2014. Teria apresentado emendas em favor da empresa.
Ocorre que nos dados que compõem a delação, Raquel não encontrou nem mesmo indícios de relações impróprias entre a empreiteira e o ministro e o deputado. Tampouco Pinheiro os acusa em delação. Por que a procuradora-geral pediria, então, a investigação? A turma queria que Dodge encaminhasse a delação de Pinheiro para homologação, com o pedido para investigar a dupla, e Fachin, então, que se encarregasse de negar. Assim, sempre sobraria o fio da suspeita.
Não custa lembrar: em 2016, sob a liderança de Deltan Dallagnol, a Lava Jato de Curitiba ordenou um cerco a Dias Toffoli e a Gilmar Mendes, conforme diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil.
Em nota oficial, Raquel afirma:
"Ao confirmar que recebeu pedido de desligamento de integrantes de sua equipe na área criminal, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, reafirma que, em todos os seus atos, age invariavelmente com base em evidências, observa o sigilo legal e dá rigoroso cumprimento à Constituição e à lei. Todas as suas manifestações são submetidas à decisão do Supremo Tribunal Federal (STF)."
VAMOS ENTENDER O QUE ESTÁ EM CURSO
Raquel permanece no cargo até o dia 17. Já está claro que não será reconduzida pelo presidente Jair Bolsonaro. As relações com a Lava Jato nunca foram harmoniosas e atingiram seu ponto crítico quando a procuradora recorreu ao Supremo para suspender os efeitos do escandaloso acordo que repassava para uma fundação de direito privado parte de uma multa de R$ 2,5 bilhões paga pela Petrobras.
O barulhento pedido de demissão de uma parte da tropa da operação, justamente a que atua em Brasília, constitui-se, parece, uma espécie de ato de vingança no apagar das luzes do mandato de Raquel e também uma advertência a Bolsonaro: é bem provável que o indicado para a PGR — consta que Augusto Aras voltou a liderar a bolsa de apostas — não seja exatamente do gosto da força-tarefa.
Embora estejamos diante, na aparência, de um ato de renúncia coletiva, o que se pretende é dar à decisão características de uma rebelião. Bolsonaro já deu sinais de que pretende indicar para a PGR alguém que ele disse afinado com os seus valores e com o seu entendimento de mundo.
Reparem: Toffoli permanece na presidência do Supremo até setembro do ano que vem. E Maia, apesar de uma convivência com altos e baixos, é o principal esteio que tem o governo no Congresso. Mais do que dois investigados, a Lava Jato pretendia ter dois reféns. Dodge lhe tirou os brinquedinhos porque, afinal, nada há que justifique um pedido de investigação.
Pela via da renúncia, os senhores procuradores estão avisando que a vida do futuro titular da PGR não será fácil. Como não foi a de Dodge, diga-se. É um desdobramento do descasamento entre o lava-jatismo e o bolsonarismo.
Por Reinaldo Azevedo
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