quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Procuradores e juízes, por acaso, temem abuso de procuradores e juízes?



Que diabos se passa com associações de juízes e procuradores? Não confiam no próprio taco? Não apostam no discernimento dos colegas? 

Leio na Folha: 
Uma frente que reúne diversas associações de procuradores e juízes afirmou nesta quarta-feira (25) que pretende questionar no STF (Supremo Tribunal Federal) trechos da lei sobre abuso de autoridade. A entidade classificou de "retrocesso sem precedentes" a derrubada pelo Congresso, na terça (24), de parte dos vetos presidenciais à lei. Para a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público, o projeto prejudica o "combate à impunidade, à criminalidade e a ilegalidades" no Brasil.

Não entendi. Isso quer dizer que procuradores e juízes apostam que o Ministério Público, que seguirá sendo o titular da ação penal, e juízes, que vão julgar os eventuais réus, vão cometer… abuso de autoridade, é isso? Ora, se houver abuso, há a lei que pune abusos! 

Estariam os senhores juízes e procuradores a afirmar que não pode haver uma lei que puna abuso de autoridade de juízes e procuradores porque isso exporia juízes e procuradores aos abusos de juízes e procuradores?

Observem que o projeto aprovado não trata de punições de caráter administrativo a autoridades do Executivo, do Legislativo e do Judiciário, não é mesmo? 

Eu não sei se esses que reclamam se deram conta de que há a semente, ainda que involuntária, do cinismo nessas críticas. Então nós todos, os cidadãos comuns, podemos ser submetidos ao escrutínio de juízes e procuradores, mas eles próprios não podem ficar expostos aos critérios que adotam? 

Ou não será o Ministério Público o eventual titular da ação penal? Ou não será o Judiciário a condenar ou a absolver?

Leio ainda no jornal: 
A frente é composta por agremiações como a Associação Nacional dos Procuradores da República e a Associação dos Magistrados Brasileiros. Para elas, o texto original aprovado pelo Congresso em agosto foi votado "às pressas", sem discussão e num "turbulento ambiente político". Os vetos presidenciais teriam sido importantes para reduzir "graves problemas" no projeto, segundo a entidade. "A decisão de senadores e deputados federais de rejeitar a maioria dos vetos do Palácio do Planalto, produziu uma lei subjetiva, vaga e repleta de imperfeições", diz a nota da entidade.

É mesmo, é? Quando essas entidades viram prisões preventivas a perder de vista, muitas delas ao arrepio da lei, fizeram exatamente o quê? Durante a tramitação do projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade no Senado e na Câmara, qual foi a postura adotada além da atitude reativa e corporativista? 

Há uma disjuntiva cognitiva nessas manifestações. A lei não está criando um tribunal de exceção para juízes e procuradores. Até porque o texto aprovado não se limita a membros do Judiciário e do Ministério Público. Eventuais pessoas dessas categorias que se tornarem réus serão alvos da ação penal conduzida pelo MP e serão julgadas por juízes.

Qual é o ponto? 

"Ah, existe excesso de subjetivismo na lei". 

Ora, colaborem, então, para melhorá-la. Façam agora o que não fizeram antes. 

Com todas as vênias, tenho a impressão de que há categorias profissionais no país que estão reivindicando o direito de fidalguia. Não parece correto que corporações ambicionem uma blindagem que está muito mais para os privilégios de uma aristocracia do que para a igualdade que caracteriza o fundamento republicano. Concordamos ou não que estamos todos sujeitos à lei?

Essa reação está assentada numa falácia. Vende-se ao distinto público, ainda que de modo oblíquo, a mentira de que a lei que pune abuso de autoridade exporá juízes e membros do MP aos políticos. 

Não! Ficarão expostos aos mesmos juízes e procuradores aos quais se submetem os políticos quando alvos de uma ação penal. 

Dou uma dica: esses notáveis representantes de corporações deveriam é se envergonhar quando veem um procurador usar um fato de quatro, cinco anos passados, para pedir a prisão preventiva de alguém. E, pior, o juiz concede a dita-cuja.

Será que as corporações temem agora o que chamam "subjetivismo" da lei que pune abuso de autoridade porque pretendem, por exemplo, que o Artigo 312 do Código de Processo Penal continue a ser tratado por aí como uma obra aberta, que cada procurador ou juiz lê como lhe dá na telha?

Por Reinaldo Azevedo

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