terça-feira, 10 de setembro de 2019

Bolsonaro estará sempre com seu clã, não importam Fabrício, bala ou golpe



O vereador Carlos Bolsonaro acredita que o governo que faz seu pai, Jair, é um portento de eficiência, dinamismo e criatividade. Mas, tudo indica, ele acha que os brasileiros fazem uma avaliação injusta do desempenho do genitor. No Twitter, escreveu o seguinte, com sua gramática tão pessoal como sua lógica: 
"O governo Bolsonaro vem desfazendo absurdos que nos meteram no limbo e tenta nos recolocar nos eixos. O enredo contado por grupelhos e os motivos cada vez mais claro$ lamentavelmente são rapidamente absorvidos por inocentes. Os avanços ignorados e os malfeitores esquecidos."

Ainda que a gramática assombre, dá para perceber o que quer dizer. E, como se vê, Carlos é do tipo que usa um cifrão em lugar de "s" para sugerir que, no fundo, os críticos do pai só pensam em dinheiro. Caso se referisse a Fabrício Queiroz, certamente se dispensaria desse clichê gráfico. 

Deve ter considerado que não havia sido contundente o bastante. Então resolveu avançar nos dons do pensamento. E como pensa esse rapaz! Mandou ver em seguida, sempre com sua gramática idiopática, particular: 
"Por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos… e se isso acontecer. Só vejo todo dia a roda girando em torno do próprio eixo e os que sempre nos dominaram continuam nos dominando de jeitos diferentes!"

Bem, o uso que faz da língua é uma lástima, mas dá para entender, embora contradiga a mensagem anterior. Mesmo acreditando que seu pai vem "desfazendo absurdos" e que existem "avanços", ainda que ignorados pelas pessoas más, ele próprio afirma ver "todo dia a roda girando em torno do próprio eixo". É claro que deveria acrescentar um "em falso" para indicar que não se sai do lugar. Afinal, é próprio das rodas… girar em torno do próprio eixo…

Isso, no entanto, é o menos relevante. O que há de realmente fenomenal é sua convicção de que, por vias democráticas, "a transformação que o Brasil quer não acontecerá". Logo, Carlos está a dizer que só a ditadura pode conduzir o país a um bom lugar. Ganha um doce quem adivinhar o nome que ele tem em sua mente perturbada para conduzir o regime de força. 

Eu também acho que há algo de notoriamente destrambelhado no vereador. Com alguma frequência, escreve nas redes sociais coisas obscuras, apelando a metáforas que só devem fazer sentido no lado escuro da Lua, onde ele habita em solidão, dialogando eventualmente com fantasmas. Minha tentação é não dar bola para as suas bobagens. Ele me parece, para ser franco, sempre a um passo de romper os vínculos com a realidade.

Acontece que Carlos depõe ministros, como já fez com Gustavo Bebianno (ex-secretário-geral da Presidência) e com Carlos Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo). É a mão nervosa que agita as pavorosas hostes que servem a seu pai nas redes sociais. 

Em abril, quando decidiu abrir guerra contra o vice, Hamilton Mourão, Rêgo Barros, porta-voz da Presidência, afirmou o seguinte: 
"De uma vez por todas, o presidente gostaria de deixar claro o seguinte: quanto a seus filhos, em particular ao Carlos, o presidente enfatiza que ele sempre estará a seu lado. O filho foi um dos grandes responsáveis pela vitória nas urnas, contra tudo e contra todos".

E Bolsonaro ordenou que se transmitisse adicionalmente à nação a seguinte tirada algo dramática, mas que evidencia que não há chance nem mesmo de passar uma reprimenda em suas crias. Ainda se referindo a Carlos, mandou dizer: "É sangue do meu sangue".

Bolsonaro está internado. Quem responde pela Presidência é Mourão, um dos desafetos de Carlos. A defesa da ditadura não foi feita pelo presidente, é certo. Ocorre que o autor da estupidez é capaz de depor ministros, de humilhar os generais da reserva que integram o governo e de abrir guerra contra o vice. E sempre agiu, na aparência ao menos, sob o silêncio cúmplice do pai mesmo quando no pleno gozo de sua língua não menos solta. E, a ser verdade o que afirmou o próprio porta-voz, os dois estarão sempre juntos.

Não dá para ignorar, obviamente, que Bolsonaro e filhos agem na política como se formassem um clã, de sorte que cada membro da família parece falar pelo conjunto. As tais transformações que, segundo Carlos, estariam em curso são modestas na área econômica, a despeito dos esforços do Congresso. Corre-se o risco de perder até mesmo a janela de oportunidades aberta com a reforma da Previdência. Trata-se apenas de uma condição necessária, mas que está longe de ser suficiente, para equilibrar as contas públicas.

Em vez de um líder que busca dialogar com a sociedade, o chefe desse aparato clânico investe na divisão, no confronto e em embates inúteis, que só embrutecem a vivência política e empurram o país para impasses. 

Esta segunda, que trouxe no arremate a defesa que Carlos faz da ditadura, começou com uma foto divulgada por outro filho, Eduardo — que o pai quer como embaixador do Brasil em Washington — a visitá-lo no hospital com uma pistola na cinta. Ora, trata-se do deputado mais votado do Brasil, candidato a um dos postos mais importantes do país no mundo, a simbolizar o que a família entende como o limite de uma peleja política: a bala. Afinal, Eduardo não estava armado no hospital para se defender, não é mesmo? 

E Bolsonaro, ele próprio já disse, estará sempre com os filhos: não importam Fabrício, bala ou golpe.

Nenhum comentário: