Em investigação preliminar sobre o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), o procurador da República Sérgio Pinel entendeu ter encontrado “fortes indícios da prática de crime de lavagem de dinheiro” envolvendo o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro. Após análise de documentos sobre os bens de Flávio, Pinel manifestou sua posição à 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF), na qual ele pede que o caso seja transferido para o Ministério Público do Rio (MP-RJ) por entender que os supostos ilícitos encontrados não se configuram em crimes federais.
Essa investigação, que apura se o senador cometeu lavagem a partir de transações imobiliárias, foi aberta a partir de uma representação apresentada por um cidadão ao MPF.
A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão acatou o pedido e determinou que o caso seja encaminhado aos promotores estaduais. É a primeira manifestação de um membro do MPF sobre as acusações envolvendo a evolução patrimonial de Flávio, que adquiriu 19 imóveis desde 2003 — quando assumiu o primeiro mandato.
Segundo Pinel, “as circunstâncias em que as compras (imóveis) foram feitas sugerem que os registros do valor de compra foram subavaliados, com parte do valor sendo pago por fora, em típico modus operandi de quem pretende ocultar a proveniência ilícita dos recursos e os converter em ativos lícitos com uma valorização irreal dos bens comprados”.
O MP do Rio investiga o possível esquema de rachadinha no antigo gabinete de Flávio na Alerj desde 2018 e já disse ter encontrado indícios de que o senador lavou R$ 2,27 milhões com compra de imóveis e em sua loja de chocolates. Em abril, O GLOBO revelou que, ao negar um habeas corpus de Flávio, o ministro Felix Fischer (STJ) afirmou ver “fortes indícios de materialidade e autoria de crimes”.
Na petição, Pinel fez referências, em especial, à compra e venda de dois apartamentos em Copacabana. Segundo a manifestação, em 27 de novembro de 2012, Flávio e sua mulher, Fernanda Antunes Figueira Bolsonaro, compraram um imóvel na Rua Barata Ribeiro por R$ 170 mil, tendo os vendedores sido representados por Glenn Howard Dillard. Um ano depois da compra, o imóvel foi vendido por R$ 573 mil, “uma impressionante valorização de mais de 200% em curto período”.
Outro negócio mencionado ocorreu em 27 de novembro de 2012, quando Flávio e Fernanda compraram um imóvel na Av. Prado Júnior por R$ 140 mil, tendo os vendedores, igualmente, sido representados por Dillard. Pouco mais de um ano após a compra, Flávio e a mulher venderam o imóvel por R$ 550 mil, mais uma vez uma valorização superior a 200% em curto período. Dillard foi posteriormente processado por Charles Eldering, dono do imóvel, por não ter recebido o dinheiro da venda.
Por causa das negociações desses dois apartamentos, a investigação do MP-RJ sobre a rachadinha aponta lavagem de dinheiro nas operações de Flávio. O senador pagou Dillard com quatro cheques. No mesmo dia e na mesma agência em que descontou os cheques, o MP descobriu que Dillard recebeu depósitos em espécie no valor de R$ 638,4 mil.
Pinel propôs o envio do caso ao MP-RJ por não enxergar no caso crimes de evasão de divisas ou de envolvimento de pessoas jurídicas com sede no exterior, que seriam de competência federal. Composta de três membros titulares e três suplentes, a 2ª Câmara de Coordenação e Revisão concordou no início do mês com o pedido de Pinel, transferindo o caso para a esfera estadual.
Procurada, a assessoria de Flávio não se manifestou na segunda-feira. Na época da quebra de sigilo contra Flávio, o advogado Frederick Wassef, que representa o senador na investigação criminal, negou que o senador tenha cometido crimes e a existência de um esquema de devolução de salários dos servidores.
A INVESTIGAÇÃO ELEITORAL
A mesma 2ª Câmara do MPF vai decidir, nas próximas semanas, sobre outro caso envolvendo o senador Flávio: o pedido de arquivamento do inquérito eleitoral que também foi aberto por suspeitas de lavagem de dinheiro e falsidade ideológica nas declarações de bens do senador à Justiça eleitoral.
O caso foi encaminhado à 2ª Câmara pelo juiz Flávio Itabaiana, titular da 204ª Zona Eleitoral (Santo Cristo), onde o caso tramita, depois que o magistrado discordou do arquivamento pedido pelo promotor Alexandre Themistocles. Assim que o inquérito chegar, será sorteado o relator. Se a Câmara der razão a Itabaiana, o MP-RJ terá de designar um novo promotor para continuar atuando no inquérito policial.
O caso iniciou em 2018 porque Flávio declarou em 2014 e 2016 ser proprietário de um apartamento no bairro de Laranjeiras, mas atribuiu valores diferentes para o mesmo apartamento em cada ano. Ao disputar a reeleição na Alerj, em 2014, Flávio declarou o imóvel com valor de R$ 565 mil, mas quando disputou a prefeitura carioca em 2016 ele declarou R$ 423 mil — metade do patrimônio, que no total teria R$ 846 mil. A situação pode caracterizar, em tese, o crime do artigo 350 do Código Eleitoral. Além disso, o juiz também apontou pendências a serem comprovadas por Flávio sobre um terceiro imóvel.
O caso será examinado por uma nova composição da 2ª Câmara, agora sob a coordenação de um subprocurador da República, Carlos Frederico dos Santos, indicado por Augusto Aras, que vai apreciar o inquérito eleitoral do Flávio Bolsonaro. Uma das preocupações, entre investigadores do caso, é que uma eventual confirmação do arquivamento acabe favorecendo Flávio Bolsonaro no outro inquérito, o que apurao o crime de lavagem nas negociações imobiliárias.
A advogada Luciana Pires, que representa Flávio em outro caso, o inquérito que apura possível falsidade ideológica eleitoral por discrepâncias nas suas declarações de bens à Justiça Eleitoral, disse que entrou com mandado de segurança para ter acesso aos autos. Segundo ela, eles foram negados para a defesa. Pires também disse que irá pedir a suspeição do magistrado Flávio Itabaiana, juiz que responsável pelos dois casos.
Em O Globo
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