sexta-feira, 12 de junho de 2020

O Bolsonaro da "interlocução" prega a invasão de hospitais. E Aras? Nada!



Jair Bolsonaro decidiu nomear o deputado Fábio Faria (PSD-RN) ministro das Comunicações. Faria tem bom trânsito na Câmara e é visto como um conciliador, preferindo um bom acordo a um confronto em que todos perdem. A pasta nasce robusta e vai abrigar a Secretaria de Comunicação. Aí o analista lê os búzios, o tarô e a borra de café e conclui: "O presidente percebeu que a sua aposta permanente no confronto e na beligerância é contraproducente".

Calma, analista! Você está errado. Este jamais seria ou será Bolsonaro. Ele não se sente confortável no papel de presidente da República. Na verdade, odeia a função porque ela o confronta, a cada minuto, com a sua estupenda ignorância. Depois de 30 anos como político, reparem a dificuldade que tem de expressar um pensamento inteiro, com começo, meio e fim. 

Não estou me referindo à sua óbvia falta de cultura e leitura. O pensamento lógico dispensa esse requinte. Trata-se de falta de clareza mesmo. Sua fala tem uma sintaxe muito particular, que cobra do interlocutor um tanto de adivinhação para tentar entender o que pretende. Não deve ser fácil trabalhar com ele. Sua, digamos, inteligência intuitiva servia para o deputado do baixo clero do baixo clero. À frente da Presidência, o que se tem é o encontro marcado com o desastre.

O jogo que o diverte é outro. Seu prazer está no confronto de facções, na desqualificação de adversários, na destruição dos oponentes, no exercício do ódio e da vingança contra tudo aquilo que identifica como "progressista", "esquerdista", "moderno". E, no esforço de eliminar os inimigos, ele não enxerga limites. É capaz de qualquer coisa.


Nesta sexta, o país deve ultrapassar o Reino Unido, ficando em segundo lugar no ranking dos mortos por Covid-19. De fato, já deve ter ultrapassado faz tempo. A subnotificação, está demonstrado, é brutal. Modelos matemáticos com os quais lida a Casa Branca antevê que, no dia 29 de julho, o Brasil deve ultrapassar os EUA em óbitos? 137,5 mil a 137 mil.

Bolsonaro, para quem a Covid-19 seria apenas uma gripezinha, sem maiores consequências, deveria estar preocupado, certo? Agora que escolheu mais um interlocutor no Congresso, poderia se esforçar para mudar a imagem do negacionista, expressando alguma solidariedade com os que sofrem.

Não ele. Na live desta quinta, superou seu próprio limite e incitou seus seguidores a cometer um crime. Negando, uma vez mais, o transe que vive o país em razão do vírus, afirmou:
"Pode ser que eu esteja equivocado, mas, na totalidade ou em grande parte, ninguém perdeu a vida por falta de respirador ou leito de UTI. Pode ser que tenha acontecido um caso ou outro. Seria bom você, na ponta da linha, tem um hospital de campanha aí perto de você, um hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente tá fazendo isso, mas mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não, se os gastos são compatíveis ou não."

É uma fala asquerosa e covarde. Há dezenas de relatos todos os dias de pessoas que morrem por falta de UTI. O governo federal, note-se, enviou aos Estados apenas 11% dos kits de UTI prometidos e entregou uma ninharia de respiradores. Construiu só um hospital de campanha. Todo esforço do Ministério da Saúde está concentrado em negar a gravidade da doença, o que transformou Bolsonaro num pária internacional, arrastando junto a reputação do país.

E, no entanto, o presidente que, então, estaria disposto a mudar se mostra o arruaceiro de sempre. Incitar seus seguidores a invadir UTIs país afora é de uma indignidade assombrosa, além de ser crime. O que vai fazer Augusto Aras, procurador-geral da República? Nada! A PGR está muito ocupada com o trabalho de caça aos governadores.

E não parou por aí. Pediu que as imagens sejam enviadas ao governo federal para que possam ser repassadas à Polícia Federal e a Abin (Agência Brasileira de Inteligência. Estariam os dois órgãos a atuar como política do presidente da República?

Num outro momento da live, referiu-se a notícias que circularam segundo as quais Joice Hasselmann (PSL-SP), ex-aliada e hoje inimiga, teria encomendado perfis falsos a ex-assessores para atuar nas redes. Afirmou:
"Espero que o STF... A maioria dos ministros corrija ou resolvam o que está acontecendo. Já estava errado fazer busca e apreensão na casa de qualquer um, mas é pior ainda de quem me segue, de quem me apoia. O outro lado, esquece. Espero que os áudios da Joice Hasselman... Não precisa fazer perícia... Façam uma busca e apreensão na casa dela".

Nota: o inquérito 4.781 do STF investiga agressões que tenham como alvo o tribunal. Não consta que Joice esteja ligada ao caso. Se criou perfis falsos para atuar de modo criminoso, cabe ao Ministério Púbico pedir a abertura de inquérito ou mesmo à PF tomar essa iniciativa. Desde quando é tarefa de um presidente definir quem deve e quem não deve ser investigado?

Observem que, em sua fala, ele deixa claro que os mandados de busca e apreensão executados são especialmente ruins porque os alvos são aliados seus. Conclua-se, pois, que os apadrinhados do presidente deveriam ficar imunes a investigações.

Voltemos ao ponto: que pacificação caberá a Fábio Faria? Como buscar o entendimento em nome de um presidente da República que prega a invasão de hospitais ou que anuncia, com todas as letras, que a Polícia Federal e a Abin serão postas no encalço dos inimigos?

Aí diz alguém: "Ah, não se deve dar bola para o que diz Bolsonaro".

A vontade, obviamente, é essa. Mas ele é, por enquanto, presidente da República.

Por Reinaldo Azevedo

Um comentário:

Anônimo disse...

Tudo pelo poder. Infeliz é a nação governada por um canalha incorrigível, um hipócrita que prega 'João 8:32' e, covarde que é, não tem hombridade para assumir seus próprios erros e crimes. Sim, crimes, pois quem prega a invasão de hospitais é um criminoso incentivando outros a cometerem crimes.