A decisão do presidente capitão Jair Bolsonaro e do ministro interino da Saúde, general Eduardo Pazzuelo, de manipular os dados sobre mortes e contaminados por Covid-19 retrocede o Brasil para os anos 70. Em 1974, a revista VEJA foi censurada porque trazia reportagem confirmando que São Paulo atravessava uma epidemia de meningite. Para o Regime Militar, assumir a existência da epidemia significaria reconhecer uma falha na política de saúde. Sem a informação correta de como se prevenir, até hoje não se sabe ao certo quantas pessoas foram infectadas e morreram por meningite. Sem o instrumento da censura à mão, Bolsonaro e Pazzuello estão refazendo as contas das secretarias de Saúde para minimizar os efeitos da Covid-19. O nome disso é fraude.
A verdade é a primeira vítima de uma guerra. Para o governo Bolsonaro, o país está em guerra, mas é um conflito incomum. Não é um confronto literal contra um exército inimigo de carne e osso, nem simbólica, contra a pandemia de coronavírus, por exemplo. A guerra do capitão Bolsonaro é contra o tempo.
Bolsonaro prometeu ao seus um outro Brasil, um país completamente distinto do que nos acostumados desde o fim do Regime Militar, em 1985. É a volta a um suposto Brasil Grande, onde os filhos obedeciam aos pais e professores, a religião era o eixo moral da sociedade e a autoridade militar estava acima da política. É um Brasil sem contestação, onde a mídia publica o que deve ser publicado, os sindicatos aceitam o que é oferecido e a política de saúde não pode atrapalhar a imagem do governo.
Este é um Brasil que ficou para trás, mas é fundamental entender que para muitos brasileiros, esse é um país desejável. Bolsonaro não está sozinho. Ele representa milhões de evangélicos desconfortáveis com os direitos LGBTI, fazendeiros que acham absurdo deixar parte de sua terra imobilizada por legislação ambiental, motoristas de Uber desempregados pela recessão dos anos Dilma, policiais militares que não aguentam serem chamados de fascistas, soldados que entraram no Exército e enxergam o capitão com ídolo, lojistas que querem reabrir seu comércio mesmo na pandemia, domésticas que perderam as diárias e sobrevivem agora com o auxílio emergência, brasileiros com aspirações legítimas que enxergam em Bolsonaro uma esperança de mudar de país.
Por isso, o clima de guerra desde o dia zero. Os bolsonaristas operam como um exército, onde o “nós contra eles” não é uma figura de linguagem. É a diferença entre quem vai viver e quem merece a cadeia ou a morte. Quando a Câmara mostrou alguma independência, milhares de robôs foram acionados para vilipendiar a reputação dos deputados, depois dos jornalistas, agora dos ministros do Supremo. Aliados que pulam do barco, como os ex-ministros Luiz Mandetta e Sergio Moro, são tratados como traidores. É a intimidação como método político.
Poderia ter dado certo. A equipe econômica pegou o vento do ciclo de juros baixos e inflação mínima e teve a oportunidade de apontar para um reequilíbrio fiscal no próximo mandato. Com uma rapidez única, Bolsonaro obteve o controle pessoal dos órgão de controle (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Receita Federal, Coaf e Procuradoria Geral da República), primeiro passo para o uso desembestado da máquina pública nas eleições. Haveria algum crescimento econômico em 2022, enquanto as oposições permaneciam mais ocupadas em lamber suas feridas do que se organizar. Até que chegou a pandemia.
Bolsonaro errou sobre a Covid-19 desde o início. Chamou de “gripezinha”, disse que apenas velhos morreriam, boicotou o ministro da Saúde, incentivou o descumprimento da quarentena, brigou com os governadores que faziam as coisas certas, atrasou o envio de verbas federais para os Estados, demitiu médicos para colocar militares no Ministério da Saúde, e, agora, diante do maior fracasso de gestão do mundo, tenta fraudar os números. O presidente que montou um governo para uma guerra imaginária está perdendo a batalha para um vírus que mata brasileiros reais. A ditadura usou a censura. O capitão usa a mentira.
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