quarta-feira, 3 de junho de 2020

O que a cultura negra pode esperar do governo Bolsonaro



Em um ponto, pelo menos, Sérgio Camargo, presidente da Fundação Cultural Palmares, pode ter acertado em cheio na nota que distribuiu, ontem à tarde, para explicar por que voltou a atacar a comunidade negra do Brasil. Foi quando escreveu a certa altura:

– [Reitero] que a Fundação, em sintonia com o Governo Federal, está sob um novo modelo de comando.

De fato, se o presidente Jair Bolsonaro não o demitir depois do que ele disse é porque Camargo está em sintonia fina com o governo. E sendo assim, terá vida longa o “novo modelo de comando” adotado por ele na Fundação. E o que disse Camargo de tão grave?

Em conversa com dois assessores em 30 de abril passado, ao tratar do desaparecimento de um celular corporativo que usava, Camargo sugeriu que o aparelho poderia ter sido roubado por um dos três diretores da Fundação recentemente demitidos por ele.

Então disse, segundo áudio da conversa obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo:

– Qualquer um deles pode ter feito isso. Alguém que quer me prejudicar, invadindo esse prédio aqui pra me espancar. Invadindo com a ajuda de funcionários daqui. O movimento negro, os vagabundos do movimento negro, essa escória maldita.

Em seguida, recomendou aos assessores que o ajudassem a promover retaliações contra funcionários de esquerda:

– Esses filhos da puta da esquerda não admitem negros de direita. Vou colocar meta aqui para todos os diretores, cada um entregar um esquerdista. Quem não entregar esquerdista vai sair. É o mínimo que vocês têm que fazer.

Criticou Zumbi dos Palmares, o líder de uma revolta de negros escravos que dá nome à fundação. Referiu-se a Zumbi como “um filho da puta que escravizava pretos”. E anunciou que não haverá mais dinheiro para as religiões de matriz afro-brasileira

– Não vai ter nada para terreiro na Palmares enquanto eu estiver aqui dentro. Nada. Zero. Macumbeiro não vai ter nem um centavo. (…) Tem gente vazando informação aqui para a mídia, vazando para uma mãe de santo, uma filha da puta de uma macumbeira, uma tal de Mãe Baiana, que ficava aqui infernizando a vida de todo mundo.

Mãe Baiana é Adna dos Santos, uma das expoentes do candomblé no Distrito Federal. A Fundação Cultural Palmares, agora sob a direção de Camargo, é uma entidade pública vinculada ao Ministério da Cultura desde quando foi criada em agosto de 1988.

No artigo 1º da lei que a instituiu à época do governo José Sarney, está dito que cabe à Fundação “promover a preservação dos valores culturais, sociais e econômicos decorrentes da influência negra na formação da sociedade brasileira”.

Carmargo usou o Twitter na última segunda-feira para reafirmar seu desejo de acabar com o Dia da Consciência Negra, celebrado aqui em 20 de novembro. E ameaçou bloquear nas redes sociais quem aderisse aos protestos que ocorrem nos Estados Unidos.

A morte do negro George Floyd pela polícia de Minneapolis deflagrou manifestações em mais de 140 cidades americanas e em várias partes do mundo sob o slogan “Black lives matter” (Vidas negras importam). Camargo advertiu no Twitter:

– Escreveu “Vidas negras importam” leva block automático! Vidas importam, sem adjetivação de cor, raça ou etnia.

Por Ricardo Noblat

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