Não, que é isso! O governo do capitão não é propriamente mentiroso. Apenas tem uma verdade móvel. Ou múltipla. Visto pelo ângulo do Diário Oficial da União, o passado nem sempre reconhece o seu lugar. Às vezes vira o presente usado. Ou seminovo. E o futuro pode não chegar nunca.
Anunciada no dia 18 de junho, a exoneração de Abram Weintraub só foi publicada no Diário Oficial em 20 de junho. Saiu depois que o fugitivo já havia entrado em Miami esgrimindo o passaporte diplomático de futuro-quase-ex-ministro da Educação. Livrou-se da quarentena imposta pela Casa Branca aos brasileiros.
Por mal dos pecados, o Tribunal de Contas da União, velho estraga-prazeres da República, ameaçou averiguar. Com a velocidade de um raio, o Planalto reescreveu o passado. Nem 18, nem 20. A demissão ocorreu no dia 19, informou o Diário Oficial, em sua edição do dia 23. Ah, bom! Então, tá!
Algo pior sucedera no afastamento do delegado Maurício Valeixo do posto de diretor-geral da Polícia Federal. Lia-se no Diário Oficial que saíra a pedido, com o aval do chefe, o então ministro da Justiça Sergio Moro. Descobriu-se que o pedido era inexistente. A assinatura, falsa.
De novo, o Planalto atrasou o relógio para burilar o passado. Em nova publicação, arrancou-se do Diário Oficial a assinatura de Moro, que pediu para sair. Quanto a Valeixo, saiu mesmo sem ter pedido.
No caso de Regina Duarte, passado e futuro ganharam uma lógica ficcional, assistida em capítulos. É como se o Diário Oficial virasse roteiro de telenovela. Anunciada num dia, a demissão só foi formalizada 19 dias depois.
Repetindo: Numa performance ao lado de Bolsonaro, a atriz anunciou defronte do Alvorada que deixaria a Secretaria da Cultura para ser rebaixada a chefe de uma insolvente Cinemateca Brasileira. Mas se manteve por 19 dias na folha de pagamento, impondo-se ao contribuinte como um pretérito mais-que-perfeito.
Finalmente demitida na edição do Diário Oficial de 10 de junho, Regina aguarda há duas semanas pela nomeação para a Cinemateca. Foi prometida para o dia seguinte. Entretanto, num governo em que a publicação oficial virou plataforma de lançamento de fake news, o futuro é algo tão impalpável quanto a realidade. Parecia que estava ali, na esquina, radioso. Mas não chegou. E talvez não venha.
Por Josias de Souza
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