A divulgação de que verbas de estatais e da Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) irrigaram sites conhecidos por divulgarem notícias falsas e fazerem ataques a instituições lançou luz sobre um tipo de ferramenta pouco conhecida no Brasil: a mídia programática.
Este mecanismo utiliza algoritmos para determinar quais sites ou aplicativos de telefone celular devem receber anúncios de uma determinada campanha. De acordo com reportagens publicadas ao longo da semana pelo GLOBO e com um relatório divulgado na terça-feira pela CPMI das Fake News, isso permite que dinheiro público monetize sites, canais do YouTube e aplicativos de celular que divulgam conteúdo considerado “inadequado” como pornografia, notícias falsas e a defesa de uma intervenção militar. Em campanhas de governos, a discussão é ainda mais delicada porque os anúncios não preveem vendas de produtos específicos para um público-alvo exato.
Em entrevista coletiva convocada às pressas no fim da tarde de ontem, a Secom buscou eximir-se de culpa e o secretário de Publicidade, Glen Valente, afirmou que o órgão não pode “julgar conteúdos” para classificar canais como de “fake news”.
— A Secom não vai poder definir o que é site de fake news ou não. A gente não vai fazer censura. Se tiver site impróprio, e no processo recorrente da Secom, isso já está sendo avaliado. Agora a gente não faz nenhuma definição. Critério de censura, a gente não vai fazer — declarou Valente.
O titular da Secom, Fabio Wajngarten, destacou não haver “investimento” em blogs e disse que, ao utilizar esse tipo de plataforma, o governo “não compra nada diretamente”. As reportagens do GLOBO afirmaram que esse tipo de anúncio, apesar de feito indiretamente a vários sites, permite que o contratante restrinja o destino de suas propagandas para evitar que sejam veiculadas em páginas indesejadas. Não houve referência a patrocínios ou investimentos diretos a sites.
Na chamada mídia programática, um anunciante contrata uma agência de publicidade que fica responsável pela produção da campanha e por dispará-la na internet. A agência subcontrata uma plataforma para fazer a distribuição desses anúncios por meio de algoritmos que calculam quais sites, canais ou aplicativos são os mais indicados para atingir a audiência desejada pelo cliente. Os anúncios são liberados e os sites são remunerados de acordo com fatores como se o internauta visualizou o vídeo ou se ele clicou no banner que aparece em sua tela.
Diversas empresas oferecem esse serviço no Brasil e no exterior. A principal delas é o Google, que é utilizado pela Secom e por estatais. No mercado publicitário, o mecanismo é visto como uma forma mais precisa e econômica de atingir um determinado público porque é baseado nas informações que os próprios internautas deixam disponíveis ao navegarem na rede.
Especialistas apontam, no entanto, que os algoritmos, sozinhos, não conseguem impedir que um anúncio governamental vá parar em site com conteúdo inadequado. Esse risco pode ser diminuído se tanto o anunciante quanto a plataforma de mídia programática impuserem restrições. Na maioria das ferramentas, os clientes podem vedar sites específicos ou categorias inteiras como sites classificados como pornográficos. As plataformas também podem bloquear canais.
Relatórios em tempo real
Se os controles não forem exercidos, o resultado pode ser danoso, principalmente, para anunciantes. Em 2017, por exemplo, a Jaguar Land Rover mudou suas estratégias de marketing depois de reportagens mostrarem anúncios da marca em sites ligados ao Estado Islâmico. Com dinheiro público, campanhas podem ser direcionadas a públicos específicos a depender do tema, mas correm risco de parar no lugar errado.
— Se não houver critério no seu uso, ela pode acabar monetizando sites que veiculam notícias falsas ou discurso de ódio. Quando falamos de verba pública, o cuidado com esse dinheiro deve ser ainda maior — avalia o professor do Departamento de Estudos de Mídia da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos, David Nemer.
O professor e pesquisador sobre Ciências de Dados e Comunicação Política da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Fábio Malini, concorda:
— O impacto negativo é que quem anuncia acaba, muitas vezes, não tendo critérios de qualidade sobre onde o anúncio está entrando. Muitas vezes, um grande anunciante quer atingir um público com base em uma palavra-chave como “família” e corre o risco de ver seu anúncio em um site de extrema-direita por esse termo ser muito usado nesses sites.
Procurado, o Google disse ter “políticas contra conteúdo enganoso” e que age “rapidamente” quando identifica ou recebe denúncia de que um site ou vídeo viola as políticas da empresa. O Google disse ainda que os anunciantes têm acesso a mecanismos para bloquear “categorias de assuntos e sites específicos” e que suas ferramentas geram “relatórios em tempo real”. (Colaborou Gustavo Maia)
Em O Globo
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