terça-feira, 30 de junho de 2020

Bolsonaro vai tomar de Lula o Bolsa Família e anunciar mais duas de R$ 600




Não havendo nenhum revés mais duro na Justiça ou, bem..., na Polícia, parece que Jair Bolsonaro decidiu abandonar o figurino golpista, o que não quer dizer, por óbvio, que o governo seja moralmente defensável, em particular em razão de sua política criminosa na saúde. De toda sorte, ele já escolheu dois pilares nos quais se sustentar: a) vai prorrogar o auxílio emergencial; b) vai tomar o Bolsa Família de Lula.

Como era o esperado e como aqui se anteviu tantas vezes, é evidente que as três parcelas de R$ 600 seriam insuficientes para enfrentar a crise e que o programa seria prorrogado. E vai ser.

Nesta quarta, o presidente vai anunciar a prorrogação do auxílio emergencial por mais dois meses. Lembram-se de Paulo Guedes lá do começo da pandemia? Acenou com três parcelas de R$ 200...

Bolsonaro já percebeu que esse dinheiro, que ainda não chegou a alguns milhões, ajudou a turbinar a sua popularidade entre os mais pobres — tanto quanto ele perde prestígio entre os mais ricos e mais escolarizados. E, por óbvio, sabe que ninguém vai se opor ao pagamento.

E o governo está decidido mesmo a juntar mais alguns penduricalhos no Bolsa Família, rebatizando o programa de "Renda Brasil". O presidente pretende ainda sair Brasil afora inaugurando obras.

Informa O Globo:
"Para a série de inaugurações, os ministros Tarcísio de Freitas (Infraestrutura), Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e Tereza Cristina (Agricultura) estão preparando itinerários de entregas para o presidente. Freitas pretende anunciar na quinta-feira o calendário com mais de 30 obras a serem inauguradas até o fim do ano. Serão entregues trechos concluídos de rodovias, novos viadutos, pavimentação de estradas, restauração e pontes."

Também no Globo, há uma entrevista do publicitário Alexandre Borges. Transcrevo trecho do texto do jornal:
A aproximação com o Centrão e o foco em programas sociais e na agenda de obras remetem Jair Bolsonaro a uma estratégia adotada pelo ex-presidente Lula em 2005, quando o escândalo do mensalão explodiu em Brasília. A avaliação é do publicitário Alexandre Borges, um velho conhecido da atual família presidencial por ter coordenado as campanhas de Flávio Bolsonaro para a prefeitura do Rio em 2016 e do ex-aliado Wilson Wiltzel para o governo do estado, em 2018.

A análise não é descabida. Com efeito, em 2005, Lula procurou ampliar a base, entrou no "modo negação" em relação aos escândalos do mensalão e caiu nos braços da galera.

Mas há uma diferença fundamental. Em 2005, a economia se expandiu só 2,3%, mas vinha de um crescimento de 4,9% no ano anterior. O desemprego estava em queda: 12,3% em 2003, 11,5% em 2004 e 9,8% em 2005. Não se sabe o tombo da economia brasileira neste ano. Há quem fale em recessão de até 9%, e o estrago no mercado de trabalho ainda não está calculado.

O cenário, pois, é bem diverso de 2005. E, entendo, Bolsonaro ainda não arcou com o peso do desastre que é a Covid-19 no Brasil. Se, nos grandes centros, como São Paulo, há uma estagnação ou retração, o mal avança pelo interior. Mais: parte considerável dos brasileiros que se opõem ao governo está em casa, ainda ilhada, atendendo à recomendação sensata do distanciamento social.

EFEITO
É claro que Bolsonaro seria, em parte, beneficiado pelo auxílio emergencial. Aliás, não fossem a estupidez da súcia de extrema direita que o cerca e a sua própria, estaria colhendo há mais tempo benefícios decorrentes da ajuda direta aos pobres. Nas mãos de Lula, um troço como esse o levaria quase a ressuscitar os mortos. Bolsonaro preferiu se comportar como o vândalo do vírus, enquanto ameaçava os brasileiros com golpe de estado.

A prisão de Fabrício Queiroz o fez enxergar o abismo. E ele mudou de rumo — vamos ver se mantém. Caiu no colo do Centrão para tentar se proteger do impeachment e busca faturar popularidade com o auxílio emergencial. A rigor, apesar de alguns milhões ainda sem receber, é a única coisa que realmente funciona no socorro em tempos de pandemia.

SEM DINHEIRO
Os valores anunciados, por exemplo, para ajudar as empresas estão mais no papel do que no mundo dos fatos. Levantamento divulgado na noite desta segunda no Jornal da Globo impressiona. O Programa Emergencial de Suporte ao Emprego tem desempenho pífio. O governo anunciou R$ 40 bilhões de crédito para financiar a folha de pagamento das pequenas e médias empresas: foi liberado pouco mais de um décimo disso: R$ 4,11 bilhões.

Já o tal Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte) tem, no papel, um aporte de R$ 15,9 bilhões. Desse total, foram liberados efetivamente ridículos R$ 25 milhões: apenas 0,16%. Na prática, inexiste. O programa para capital de giro da Caixa disponibilizaria, em tese, R$ 7,5 bilhões. Até agora, foi liberado R$ 1,58 bilhão. Só o programa do BNDES chega perto da meta: dos R$ 5 bilhões previstos, emprestaram-se R$ 4,77 bilhões. A dificuldade? Burocracia e juros altos. Traduzindo em miúdos: falta de governo.

Entenderam? Aquilo que, de fato, requer gestão está parado, entregue às cobras. Assim, o mais fácil mesmo é surfar no que dá menos trabalho: tentar faturar popularidade com o auxílio emergencial.

De toda sorte, Bolsonaro escolheu o único caminho que o afastava do abismo. Resta agora torcer para não ser tragado pelas circunstâncias que já não são mais de sua escolha.

E, bem..., está sendo beneficiado também pela falta de articulação das oposições. Tomem como exemplo a defesa da democracia. Ficou a cargo de movimentos da sociedade civil, o que, em si, é bom. O lamentável é que estes estejam apanhando de algumas lideranças de esquerda, né? — Lula inclusive —, enquanto Bolsonaro avança nas camadas populares, agora que sabe que não vai conseguir fechar o STF com um soldado e um cabo, sem nem precisar de um jipe...

Por Reinaldo Azevedo

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