segunda-feira, 8 de junho de 2020

Dias de cão para um presidente perdido



Por onde começar o relato sobre os últimos dias que o presidente Jair Bolsonaro gostaria de esquecer, e sobre os próximos que gostaria de evitar? Pela lambança dos números do coronavírus que destruiu o que restava de credibilidade ao Ministério da Saúde?

Pelas acanhadas manifestações contra o governo que ainda assim serviram para mostrar que os devotos do presidente perderam o monopólio das ruas? Ou por mais uma derrota que Bolsonaro colherá, esta semana, no Supremo Tribunal Federal?

Deixo para o texto seguinte a ameaça do autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho, guru da família Bolsonaro, de detonar o governo caso não o ajudem com dinheiro para pagar a conta de tantos processos que já perdeu na justiça. Olavo pede socorro.

Bolsonaro não tem a quem pedir socorro porque as dificuldades que enfrenta foram criadas por ele mesmo. Seu amigo de fé, camarada, o presidente Donald Trump, passou a citar o Brasil como um mau exemplo na guerra contra o Covid-19. E com razão.

A bancada do Partido Democrata em uma das comissões técnicas mais importantes do Congresso despachou uma carta a Trump se opondo a acordos comerciais entre os Estados Unidos e o Brasil. Nada de moleza com um governo claramente antidemocrático.

O acordo Mercosul-Comunidade Econômica Europeia depende do consentimento unânime dos países europeus para entrar em vigor. O parlamento da Holanda votou contra o acordo. A política ambiental do Brasil (ou a falta dela) só inspira desconfiança.

Maior parceiro comercial do Brasil no mundo, a China dá sinais de que sua paciência com o governo Bolsonaro só faz diminuir. O ministro Abraham Weintraub, da Educação, voltou a ofender publicamente a China depois de depor na Polícia Federal.

Foi mais fácil para Bolsonaro livrar-se do ex-ministro Sérgio Moro, da Justiça, do que será livrar-se de Weintraub, indicado para o cargo pelo guru que agora cobra pelo apoio que dá ao governo. Bolsonarista de raiz cultua Weintraub e se espelha nele.

Onde no domingo foram vistos os terroristas, subversivos e marginais que o presidente disse que dariam as caras nas manifestações convocadas por uma fração ínfima da oposição? Se eles existem, preferiram ficar em casa. Tudo correu em ordem.

É de se imaginar o que deverá acontecer quando a pandemia se esgotar, a oposição ganhar coragem e as pessoas voltarem a circular sem o risco de perder a vida. A essa altura, a economia estará mais fraca e o desemprego muito mais forte.

A essa altura também o recesso do Congresso terá chegado ao fim e as eleições municipais estarão à vista. Haverá melhor saco de pancadas do que Bolsonaro? Que chances de se eleger terá um candidato a prefeito que se ocupe em defender o presidente?

O sócio número um do vírus ordenou que o Ministério da Saúde ocultasse a maioria dos números sobre a tragédia. Como pegou mal, liberou a divulgação. Como o número de mortos nas últimas 24 horas o desagradou, ordenou que fosse reduzido.

Quer prova maior de sandice? De vocação para ditador? Por ordem dele, a Controladoria Geral da União tornou sigilosos pareceres jurídicos produzidos por ministérios para orientar a presidência na sanção ou em vetos de projetos aprovados pelo Congresso.

A Lei de Acesso à Informação está indo para o lixo. Bolsonaro só quer informações para ele. Daí seu avanço sobre o aparelho de inteligência do Estado. Bolsonaro ainda não disse que ele é o Estado. Mas já disse que a Constituição é ele.

Nos próximos dias, o Supremo Tribunal Federal dirá não ao pedido de Bolsonaro para arquivar o inquérito que investiga o financiamento e a distribuição de notícias falsas nas redes sociais. Punir quem faça isso é ferir a liberdade de expressão, segundo ele.

Por trás da operação há empresários bolsonaristas. Mas o que mais preocupa Bolsonaro é o envolvimento dos seus filhos. O inquérito poderá alcançar Olavo de Carvalho. E Olavo é desequilibrado o suficiente para retaliar desequilibrando o governo.

Por Ricardo Noblat

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