terça-feira, 23 de junho de 2020

Fascistoides: organização criminosa e dinheiro público contra a democracia



O ministro Alexandre de Moraes fez muito bem em divulgar a íntegra da sua decisão que determinou diligências no âmbito do inquérito 4.828, que investiga atos antidemocráticos promovidos país afora. Ela está aqui. Afinal, os investigados já tiveram acesso a ela, e, como lembrou o ministro, reportagens estão sendo escritas a partir de fragmentos da decisão. Então, que se conheça seu inteiro teor. Para lembrar: esse inquérito foi aberto a pedido da Procuradoria Geral da República. Não se deve confundi-lo com o 4.781, que investiga ameaças contra o Supremo e a divulgação de fake news para atingir o tribunal.

E é com base nos elementos coligidos pela PGR que o ministro trata da possibilidade de haver, estruturada, uma organização criminosa que comanda os atos ilegais contra o regime democrático. 

Afirma a PGR, em trecho transcrito por Moraes:
A possibilidade de que o exercício das liberdades constitucionais de manifestação do pensamento e de reunião possa transbordar ao alcance do dispositivo constitucional que veda a formação de associações de caráter paramilitar, a Procuradoria-Geral da República acionou o que impõe a repressão penal e a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem imposta na Lei Maior e o Estado democrático, pedindo a abertura de inquérito para verificação de eventual cometimento de delitos previstos na Lei nº 7.170/1983.

A ligação de parlamentares federais com esses movimentos organizados com natureza e propósitos não suficientemente esclarecidos deu causa a que a instauração do expediente passasse pela atuação do Supremo Tribunal Federal, nos termos do art. 102, inciso I, alínea "b", da Constituição da República. (?)

Primeiramente, como as manifestações tem-se apresentado com uma infraestrutura mínima (carros de som e peças de propaganda mais profissionais qual grandes bandeiras, grandes faixas e outras peças não amadoras) é necessário que se verifique como se opera a disponibilização desses meios. É importante que se identifique quem executa os contatos com as empresas fornecedoras de carros de som e outros aparatos, acaso existentes.

Em segundo lugar, interessa verificar-se a procedência dos recursos que financiam as aquisições, locações e eventualmente viagens e alimentação de manifestantes.

Em terceiro lugar, é mister identificar de onde partem as propostas de manifestações e como elas são propagadas ao seu público-alvo. (?)

NÚCLEOS E PARLAMENTARES
Em sua decisão, o ministro reproduz outro trecho da petição enviada pela PGR que identifica os núcleos em que estão estruturados os atos fascistoides -- essa caracterização é minha, não de Moraes ou da PGR. E também aponta a articulação com parlamentares. Lá está escrito:
A Procuradoria Geral da República aponta, detalhadamente, a existência de vários núcleos nessa associação - "organizadores e movimentos" (item III), "influenciadores digitais e hashtags" (item IV), "monetização" (item V) e "conexão com parlamentares" (item VI) - e conclui que "no ecossistema de redes sociais e propagação de ideias de mobilização social e realização de manifestação ostensivas nas ruas, há participação de parlamentares tanto na expressão e formulação de mensagens, quanto na sua propagação e visibilidade, quanto no convício e financiamento de profissionais da área".

As provas apresentadas pela Procuradoria Geral indicam uma "rede estruturada de comunicação virtual voltada tanto à sectarização da política quanto à desestabilização do regime democrático para auferir ganhos econômicos diretos e políticos indiretos. Nesse entrelaçamento formam-se complexas relações de poder por cooperação, dependência e dominação. Estes mesmos relacionamentos denotam, igualmente, um alinhamento consciente entre os componentes dos grupamentos direcionado à realização de ações potencialmente típicas, independentemente da existência de um acordo propriamente dito para esse fim".

DINHEIRO
Informa a Folha:
Há indícios reunidos pela PGR de que os investigados disseminaram "mensagens apelativas" em redes sociais em busca de dinheiro. Com isso, podem ter lucrado mais de R$ 100 mil.

"A suspeita é que parlamentares, empresários e donos de sites bolsonaristas atuam em conjunto e de forma orquestrada", afirmou o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques, no pedido de diligências enviado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito no STF.

Quatro deputados federais do PSL, todos da ala bolsonarista do partido, estão no radar da Procuradoria por repasses de valores à empresa Inclutech Tecnologia da Informação.

A Folha levantou que os quatro usaram a cota parlamentar a que têm direito pelo exercício da atividade legistativa para transferir R$ 58,1 mil para a empresa neste ano.

A Inclutech tem como um dos sócios Sérgio Lima, marqueteiro da Aliança pelo Brasil, partido que o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL, hoje sem partido) está montando.

Na semana passada, a empresa foi alvo de um dos mandados de busca e apreensão cumpridos pela Polícia Federal por determinação do ministro Alexandre de Moraes.

Os deputados Aline Sleutjes (PR), Bia Kicis (DF), General Girão (RN) e Guiga Peixoto (SP) apresentaram notas à Câmara para pedir o ressarcimento de despesas a título de "divulgação da atividade parlamentar".

Os pedidos de ressarcimento foram apresentados de março a junho, meses que coincidem com a escalada de ataques dos apoiadores de Bolsonaro ao Supremo e ao Congresso.

Os parlamentares negam que os repasses tenham relação com atos antidemocráticos.

Ainda de acordo com o inquérito da Procuradoria, em outra linha de apuração, sites bolsonaristas podem ter lucrado com a transmissão de atos que tiveram a participação do presidente.

O vice-procurador-geral da República menciona no inquérito, segundo o jornal O Globo, que sites com publicações favoráveis ao governo podem ter faturado dinheiro.

Faz referência, por exemplo, à live do presidente realizada no dia 3 de maio em frente ao Palácio do Planalto, local onde grupos bolsonaristas vinham se reunindo aos domingos para manifestar apoio ao chefe do Executivo. O vídeo foi publicado pelo site Folha Política e pode ter lucrado de US$ 6.000 a US$ 11 mil (R$ 31,3 mil a R$ 57,4 mil).

Outro vídeo mencionado no inquérito dos atos antidemocráticos se refere à participação de Bolsonaro no ato de 19 de abril, dia do Exército.

A gravação pode ter rendido, segundo os investigadores, lucro estimado entre US$ 7.550 e US$ 18 mil (R$ 39,5 mil a R$ 94 mil).

A manifestação, em frente ao QG do Exército em Brasília, pedia intervenção militar e o fechamento do Congresso e do STF. A Procuradoria afirma que, com a realização desta transmissão de um ato antidemocrático, o canal Foco do Brasil teve 1,5 milhão de visualizações.

Ao autorizar a operação do último dia 16, Moraes afirmou que o grupo é financiado por diversas formas por empresários. "Ressalte-se, também, que toda essa estrutura, aparentemente, estaria sendo financiada por empresários que, conforme os indícios apresentados atuariam de maneira velada fornecendo recursos —das mais variadas formas—, para os integrantes dessa organização".

RETOMO
Se for como afirma a PGR, temos parlamentares usando dinheiro público para atacar o próprio regime democrático que os elegeu... parlamentares. Mas, claro!, patriotas que são, os nobres representantes do povo dizem estar apenas fazendo um trabalho de divulgação de seus respectivos mandatos.

Que se chegue a fundo nessa questão. Constatado que dinheiro público foi empregado na organização de atos conta a democracia, os parlamentares envolvidos no crime deveriam ser cassados por seus pares por quebra de decoro.

Esse seria o caminho de depuração preferível a um outro, que pode levar à denúncia dos digníssimos ao Supremo, hipótese em que podem ser condenados numa ação penal — e, como consequência, ter cassados os seus respectivos mandatos.

Os decentes da Câmara e do Senado têm de instar as respectivas Casas a estabelecer a linha que distingue no aceitável do inaceitável.

Financiar manifestações em favor de golpe — promovidas, inclusive, por grupos que incitam a guerra civil — está na categoria do inaceitável.

Eis aí uma tarefa que não deveria ser deixada para o Supremo. 

Que a quebra do decoro coloque os vagabundos na rua. Ou que, se necessário, uma condenação no STF o faça.

É preciso pôr fim a essa estupidez!

Por Reinaldo Azevedo

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