quinta-feira, 18 de junho de 2020

A Lei ganha todas, e Bolsonaro perde todas. E três falas golpistas em 1 dia


Jair Bolsonaro na posse de Fábio Faria: presidente exalta Constituição ao mesmo tempo em que a nega - Alan Santos/PR

Jair Bolsonaro emite todos os sinais de que está investindo num autogolpe. Se vai dar certo ou não, isso é outra coisa. Que ele pretende usar a força bruta para se impor acima dos Poderes da República não é mais uma questão de opinião, mas de fato. Não creio que seja bem sucedido no seu intento — não ao menos como ele gostaria. Em parte, o mal está feito. A democracia brasileira já anda muito mais tolerante com a baderna do que antes.

O presidente vem experimentando sucessivas derrotas no Supremo. E não porque o tribunal tenha resolvido terçar armas com ele, mas apenas porque exerceu suas prerrogativas. Abraham Weintraub continuará a ser investigado no Inquérito 4.781, que tramita no Supremo e apura a produção de fake news e as ameaças contra o tribunal. O habeas corpus lhe foi negado. O próprio inquérito teve a sua constitucionalidade reafirmada pelo tribunal. Já há oito votos favoráveis à sua continuidade. A pedido da Procuradoria Geral da República, outro inquérito — este para investigar atos contra a democracia — alcança parlamentares da base de apoio do presidente e expoentes de suas milícias digitais. 

O tribunal não se deixa intimidar e até a Procuradoria Geral da República emite sinais de vida. Da mesma sorte, nas vezes em que foi dado ao TSE decidir, não há sinais de que os arreganhos de Jair Bolsonaro tenham assustado os membros do tribunal. No caso do STF, os votos dos senhores ministros se fizeram acompanhar de palavras enfáticas em defesa da democracia. Isso não quer dizer que Jair Bolsonaro tenha se conformado. Muito pelo contrário: aumentou a frequência com que ele acena com um rompimento institucional.

Nesta quarta, em três momentos diferentes, Bolsonaro expressou o seu inconformismo com a democracia: duas delas vieram na forma de ameaça. E aquela que muitos leram como um sinal de armistício foi, a rigor, a mais grave. Até porque a agressão à democracia representativa se deu na presença dos respectivos presidentes do STF e da Câmara, Dias Toffoli e Rodrigo Maia. A tentação tirânica se exerceu no discurso da solenidade de posse de Fábio Faria no Ministério das Comunicações. Ele é tido como o ministro que vai se encarregar do diálogo.

Afirmou o presidente na solenidade do Palácio:
"Não são as instituições que dizem o que o povo deve fazer. É o povo que diz o que as instituições devem fazer (...). Temos de fazer valer os valores da democracia para que consigamos atingir o nosso objetivo. Nosso povo espera liberdade. Temos uma Constituição. Em que pese alguns de nós não concordarem com alguns artigos, temos o compromisso de honrá-la e respeitá-la para o bem comum".

Sempre que um autoritário pronuncia a palavra "liberdade", é preciso que se indague o que pretende dizer com isso. E não serei eu a navegar no deserto mental de Bolsonaro. A afirmação de que é o povo quem diz o que as instituições devem fazer é grave porque abre as portas para o populismo e para o golpe. Numa democracia, a soberania popular está expressa na Constituição. Se as instituições ficam ao sabor dos humores do povo, tem-se a instabilidade permanente. De resto, Bolsonaro chama "povo" à súcia que o apoia nas redes sociais.

A democracia consagra o contrário do que diz o presidente. Existe uma Constituição justamente para que maiorias de ocasião não se imponham sobre os valores democráticos, uma vez que sua essência está em garantir o dissenso, com o qual Bolsonaro quer acabar.

A manhã já havia começado mal. Falando a seguidores às portas do Alvorada, o presidente praticamente anunciou a subjugação dos inimigos -- que, hoje, entende-se, estão nos tribunais superiores. Disse:
"Eu não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca. (Mas) eles estão abusando. Isso está a olhos vistos. O ocorrido no dia de ontem (anteontem), quebrando sigilo de parlamentares, não tem em história nenhuma vista em uma democracia, por mais frágil que ela seja. Então, está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar."

Sigilos de parlamentares já foram quebrados antes. É mentira que seja coisa inédita. Mas isso é o de menos agora. Observem que o presidente dá a entender que algo está em curso. E, obviamente, será "algo contra eles" — e o "eles" é o Poder Judiciário, que não exerce prerrogativas, mas "abusa", no entender de Bolsonaro.

À noite, na volta ao Palácio, ameaçou outra vez:
"Têm abusos acontecendo e conseguem acusar a mim ainda. Mas importante que as mídias sociais, hoje em dia, mostram a verdade. E, brevemente, tudo estará resolvido. Pode ter certeza. É igual uma emboscada. Você tem de esperar o cara se aproximar. 'Vem mais, vem jogando ovo e pedra'. Falei hoje de manhã: não quero medir força com ninguém. Continua vindo".

Ele se coloca no papel de quem preparou uma emboscada para o Judiciário. E afirma não querer medir força com ninguém como a dizer que ele, afinal, tem a força — ou "as Forças"!

"Mas Bolsonaro tem condições de dar um autogolpe?" Resposta: hoje, não tem nenhuma. Mas está num trabalho de catequese das Forças Armadas e das Polícias Militares, como se a sua eventual queda representasse também uma agressão a elas.

É impressionante! Bolsonaro não teve de enfrentar uma oposição aguerrida até agora. Boa parte da massa de descontentes com o seu governo não sai às ruas por causa do coronavírus. A crise política só existe porque ele quer emparedar as instituições, nas quais o povo mandaria. E povo, para ele, se resume a seus fanáticos.

Três pregações golpistas num dia só. Sim, isso é sinal de medo, fraqueza e impotência. Por isso é especialmente perigoso. Quem manda invadir hospital é capaz de tudo.

Por Reinaldo Azevedo

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