Augusto Aras, procurador-geral da República: o doutor resolveu misturar a imprensa profissional com "fake news". Parece estar disposto a fazer confusão. Mas a gente desconfunde... |
O procurador-geral da República Bolsonariana, Augusto Aras, deu sua contribuição à infâmia ao fazer suas considerações sobre o inquérito 4.781. Não! Ele não apontou inconstitucionalidade ou ilegalidade. Pediu uma delimitação do objeto do inquérito, a participação ativa do Ministério Público Federal e acesso aos autos. Atenção! Isso lhe foi franqueado desde sempre, como lembrou o ministro Alexandre de Moraes, que é o relator do inquérito.
O absurdo de Aras não está aí. Em sua intervenção, o doutor resolveu incluir a imprensa profissional entre os propagadores de fake news! Junta-se, assim, a seu chefe que costuma chamar de "notícia falsa" todos os fatos que não são do seu agrado. No auge da sandice, já classificou de "fake" declarações que ele próprio deu, reproduzidas entre aspas, palavra a palavra.
Afirmou Aras:
"Sabemos que esse fenômeno maligno das fake news não se resume a blogueiros ou às redes sociais. Ele é estimulado por todos os segmentos da comunicação moderna, sem peias, sem aquele respeito que a minha geração aprendeu a ler o jornal, acreditando que aquilo era verdade".
Mais ainda:
"Temos que hoje ter mais cuidado na leitura das notícias para fazermos um filtro fino para encontrar um mínimo de plausibilidade em relação a esta campanha de fake news, que não guarda limites de nenhuma natureza. E o pior, que vai estimulando comoções sociais, que vai sustentando pensamentos extremistas, que vai levando a sociedade já desesperada, em meio a uma calamidade pública, a sentimentos de revolta, incitação, e submetida a reações muito delicadas para a nossa democracia".
A afirmação é inaceitável. A imprensa erra, sim. Quando acontece, no mais das vezes, se corrige. Também abriga espaço para opiniões divergentes. Eu mesmo, por exemplo, avalio que Aras não tem preparo intelectual para exercitar o cargo. É uma opinião, não uma ofensa. É uma avaliação que faço do seu trabalho, não uma calúnia.
Querer meter a imprensa profissional no balaio de gatos de organizações criminosas que se estabelecem para corroer os valores da democracia, para pregar golpe de Estado, para tentar intimidar juízes, para caluniar, injuriar e difamar com o propósito de intimidar autoridades... Ah, aí vai uma diferença imensa!
Veja, doutor Aras: considero que o senhor deu uma opinião com o objetivo de agradar aquele que o senhor toma como um chefe — Jair Bolsonaro —, embora não devesse, já que a Carta garante a autonomia do Ministério Público Federal. Isso é opinião que o senhor não gosta de ler, não fake news.
Uma ova! A imprensa pode errar muito. E erra. Pode ter certa dificuldade de admitir um erro. E tem. Pode incorrer em interpretação errada de fatos, leis etc. E incorre. Busca sempre se corrigir se for séria. É coisa bem distinta de uma organização criminosa.
Eis aí: Aras pode não tomar o crime como liberdade de expressão. Mas está tomando a liberdade de expressão como um crime. Ao misturar tudo, o procurador-geral diminui a fealdade do malfeito dos criminosos e tenta criminalizar a imprensa.
Assim, não, violão! Pode até existir jornalista bandido. Que pague as contas com a Justiça. Como categorias, no entanto, não se misturam: não venha o doutor tomar jornalistas por bandidos. Se o fizer, acabará tomando bandidos por jornalistas. Como tem feito habitualmente o Planalto nos dois casos.
Mais: o propósito do inquérito é apurar os crimes para que venham a resultar em denúncias, que devem ser oferecidas pelo Ministério Público.
Estaria Aras querendo achar um atalho no combate às fake news para tentar intimidar, também ele, a imprensa profissional, como fez Erdogan na Turquia?
Aras não nasceu ontem e sabe muito bem o que fez.
Mas nós também não nascemos.
Bem lida, a consideração busca melar o inquérito ao misturar alhos com bugalhos.
Por Reinaldo Azevedo
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