"Augusto Aras não explicou porque considera aceitáveis as ações do presidente Bolsonaro contra as medidas sanitárias para combater o coronavírus e colocou tudo na conta da 'polarização', como se todo o consenso científico e recomendações sanitárias fossem questões de opinião. Um erro brutal do procurador, um atentado contra a função que deveria desempenhar." A avaliação é de Eloisa Machado, advogada constitucionalista, professora da FGV Direito SP e coordenadora do centro de pesquisa Supremo em Pauta.
Ela conversou com o UOL sobre o comportamento de Aras diante das denúncias contra o presidente durante a crise causada pela Covid-19.
Machado considera "um descalabro" o procurador-geral da República arquivar uma solicitação de cinco subprocuradores-gerais para que recomendasse ao presidente não se manifestar contra a política do Ministério da Saúde de combate ao coronavírus. Em nota pública, Aras afirmou que "neste momento em que o país atravessa estado de calamidade pública, exige-se que o Ministério Público brasileiro mantenha-se afastado de disputas partidárias internas e externas".
Para ela, que analisou a atuação do PGR no Supremo Tribunal Federal, há acomodação e subserviência. "Desde o início de seu governo, Bolsonaro desmontou a política ambiental, atacou indígenas, os órgãos científicos, faz barbaridades na educação, comemora golpe militar e ataca a imprensa", avalia. "À Procuradoria-Geral da República cabe questionar esses atos no Supremo e é a instituição incumbida de investigar e acusar o presidente da República por crimes comuns. O que fez a PGR? Nada. Inconstitucionalmente, nada."
Machado é uma das advogadas signatárias de uma das notícias-crime contra o presidente da República protocolada junto ao procurador-geral da República. Nela, informam que o presidente cometeu crime de infração de medida sanitária, incitando que brasileiros desconsiderassem e descumprissem as medidas impostas para combater o coronavírus. Tanto através de seu pronunciamento à nação, no dia 24, como no vídeo institucional e na promoção do slogan "O Brasil não pode parar", a partir de quinta (26), e nos passeios que deu no Distrito Federal, causando aglomerações de pessoas, apesar das orientações sanitárias.
O ministro Marco Aurélio Mello, do STF, determinou que a Procuradoria-Geral da República analise outra notícia-crime apresentada contra Bolsonaro pelo deputado federal Reginaldo Lopes (PT-MG). Ele pede que Aras promova denúncia contra Bolsonaro devido ao "histórico das reiteradas e irresponsáveis declarações" feitas por ele sobre a pandemia.
"Se uma das principais instituições de controle está domesticada por um governo autoritário, temos o aprofundamento das violações constitucionais. O perigo é o que estamos vivendo: um governo inconstitucional. E há um efeito ruim para toda a carreira, uma demonstração de tamanho alinhamento com o governo passa o recado que não haverá apoio da cúpula em ações maiores e complexas em agendas que sejam caras ao governo", avalia Eloísa Machado.
Augusto Aras arquivou solicitação em que subprocuradores-gerais da República pediam que ele recomendasse a Bolsonaro que não agisse contra a política de combate ao coronavírus. Disse que não viu nada de errado. Você foi uma das advogadas que protocolaram uma notícia-crime contra o presidente junto à Procuradoria-Geral da República por motivos semelhantes. O que acha do argumento de Aras?
Augusto Aras arquivou a recomendação de subprocuradores por motivos formais e, no mérito, porque acreditou que controlar o presidente Bolsonaro nesse tema seria uma questão política-partidária. É um descalabro. Aras não explicou porque considera aceitáveis as ações do presidente Bolsonaro contra as medidas sanitárias para combater o coronavírus e colocou tudo na conta da "polarização", como se todo o consenso científico e recomendações sanitárias fossem questões de opinião. Um erro brutal do procurador, um atentado contra a função que deveria desempenhar.
E qual seria o papel de um procurador-geral da República em um momento como este?
O Ministério Público possui a missão constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os direitos fundamentais. Está lá escrito no artigo 127 da Constituição. É por esta razão que membros do Ministério Público possuem uma série de garantias e independência para agir. O procurador-geral da República é o chefe desta instituição e deveria ser o principal ator na defesa da ordem democrática - controlando os atos do presidente, não permitindo qualquer afronta aos direitos e agindo para impedir que um governo aloprado, ao contrariar a lei e a ciência, coloque a vida de centenas de milhares de brasileiros em risco.
E isso está acontecendo?
Não. Há acomodação e uma certa subserviência. É possível perceber a acomodação do procurador-geral ao analisarmos as ações no Supremo Tribunal Federal: desde o início de seu governo, o presidente Bolsonaro desmontou a política ambiental, atacou indígenas, os órgãos científicos, faz barbaridades na educação, comemora golpe militar e ataca a imprensa. À PGR cabe questionar esses atos no Supremo e é a instituição incumbida de investigar e acusar o presidente da República por crimes comuns. O que fez a PGR? Nada. Inconstitucionalmente, nada.
Quais os riscos de um procurador-geral que se ausenta de suas funções constitucionais?
Se uma das principais instituições de controle está domesticada por um governo autoritário, temos o aprofundamento das violações constitucionais. O perigo é o que estamos vivendo: um governo inconstitucional. E há um efeito ruim para toda a carreira, uma demonstração de tamanho alinhamento com o governo passa o recado que não haverá apoio da cúpula em ações maiores e complexas em agendas que sejam caras ao governo.
Há alguma relação entre a falta de ação de Augusto Aras e o fato dele ter sido escolhido fora da lista tríplice pelo presidente da República?
Regras costumeiras desempenham um importante papel na previsibilidade e na segurança das instituições. Era esse o papel desempenhado pela lista tríplice. Mas havia outro papel, ainda mais importante: restringir o poder de escolha presidencial, garantindo também alguma independência. O presidente escolheu alguém alinhado, à revelia da lista tríplice. Com isso, ao que parece, diminuiu o papel de controle que a PGR poderia exercer em seu governo.
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