quinta-feira, 19 de março de 2020

A "mesa dos mascarados" é desespero dos vencidos pelo vírus e pelos fatos


Bolsonaro, ao centro, coordena a coletiva midiática do tira-e-põe as máscaras. Era uma tentativa de sair do atoleiro político em que se meteu. Foi inútil - Reprodução
Bolsonaro, ao centro, coordena a coletiva midiática do tira-e-põe as máscaras. Era uma tentativa de sair do atoleiro político em que se meteu. Foi inútil

A imagem-símbolo que tende a ficar do governo de Jair Bolsonaro é aquela impressionante mesa de mascarados, convocados a listar as medidas adotadas pelo governo para enfrentar a Covid-19 e seu agente que dispõe de recursos ainda não-plenamente conhecidos: o novo coronavírus. O patógeno é, sim, novo, mas a estupidez tem quase a idade da Terra. Vamos ver.

A rigor, nenhum daqueles senhores deveria estar ali. Todos eles, como admitiu o ministro Luiz Mandetta (Saúde), haviam estado com o general Augusto Heleno, que está contaminado. Também o ministro Bento Albuquerque (Minas e Energia) testou positivo para o vírus. Qual é o protocolo a ser seguido, segundo o próprio Ministério da Saúde? Os que mantiveram contato com o general deveriam, pois, colocar-se em isolamento por 14 dias. Aquela encenação do tira máscara/põe máscara, em que pese a tentativa de Mandetta de simular um método, revelava apenas o desespero de um presidente que operava em modo de negação até que se anunciasse a primeira morte no país. 

Obviamente, a coletiva seria uma desnecessidade se o presidente não tivesse se comportado, desde o começo, como um celerado. Os fatos se encarregaram de desmoralizá-lo de tal maneira que um dos memes que ganhou o dia — um instante em que a máscara assumiu as vezes de uma venda — já virou um símbolo de seu modo de governar.

A entrevista coletiva se deu uma semana depois de o avião presidencial aterrissar em solo pátrio, vindo de Miami, trazendo consigo nada menos de 16 contaminados pelo coronavírus. O 17º, Nestor Forster, ficou nos EUA, encarregado de negócios que é da embaixada brasileira naquele país. Três dos portadores do vírus são auxiliares diretos do presidente: além dos dois ministros, também o secretário de Comunicação Fábio Wajngarten.

Na terça anterior à volta ao país, Bolsonaro havia discursado em Miami e atribuído a preocupação com o vírus ao que considerava "histeria" da "grande mídia". Ainda nesta quarta, na coletiva, voltou a empregar a palavra, repudiando adicionalmente o "pânico". Quem, a esta altura, experimenta a sensação desagradável do medo é o próprio Bolsonaro.

No domingo passado, na já histórica entrevista à CNN Brasil — e nem sempre se faz história por bons motivos —, não só o presidente justificou a sua decisão irresponsável e, em vários aspectos, criminosa de ter estimulado atos em favor do fechamento do Congresso e do Supremo como, fazendo um provocação mesquinha, desafiou Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre, presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado, a também sair às ruas.

Na entrevista coletiva, negou-se a fazer a mea-culpa e, respondendo à pergunta de uma jornalista, afirmou que não seria surpreendente se o vissem andando de trem, de metrô ou de barca. Nunca evidenciou preparo intelectual mínimo para o cargo que ocupa, é fato. Mas se nota também que é incapaz de aprender com a experiência.

Resta algo de positivo da entrevista coletiva? Bem, o governo, como ente, admite a existência do problema; o presidente desestimula a sua seita sempre menor de destrambelhados a agir com a conhecida irresponsabilidade, e o ministro Paulo Guedes, da Economia, obriga-se a sair de sua letargia arrogante, admitindo, ainda que tenha evitado confessá-lo, claro!, que ele também estava a dar de ombros para esse papo de vírus.

Por Reinaldo Azevedo

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