sexta-feira, 13 de março de 2020

Coronavírus poupa Bolsonaro e o Bolsolavistão de um vexame histórico. Pena!


Luiz Mandetta, Bolsonaro e a intérprete de libras com máscaras de prevenção contra o coronavírus. Presidente pediu adiamento dos protestos contra o Congresso e o Supremo e cometeu novo crime de responsabilidade - Reprodução/Youtube
Luiz Mandetta, Bolsonaro e a intérprete de libras com máscaras de prevenção contra o coronavírus. Presidente pediu adiamento dos protestos contra o Congresso e o Supremo e cometeu novo crime de responsabilidade

O presidente Jair Bolsonaro foi poupado pelo coronavírus de um segundo vexame que tinha tudo para ser histórico — dada a sua breve história como político relevante. O protesto que vinha sendo organizado por seus seguidores, com o seu estímulo e apoio, estava condenado a ser um grande mico. Só os fanáticos do Bolsolavistão, uma republiqueta de bananas, comandada por um ditador, mostravam-se dispostos a ir às ruas para pregar o fechamento do Congresso e do Supremo. Muito bem! A patuscada foi adiada, sem definição de nova data.

E o primeiro vexame, este plenamente realizado? Ora, um membro de sua equipe — Fábio Wajngarten — voltou de Miami na quarta, carregando o coronavírus. Não está claro se ele já o portava quando foi pra lá. O segundo vexame, o que foi evitado, seria uma escolha. A contaminação do auxiliar foi ditada pela árvore dos acontecimentos. Ninguém contrai essa porcaria por vontade, é claro. Ocorre que, no dia anterior, o presidente havia dito a seguinte pérola num evento esvaziado em Miami: "Obviamente temos no momento uma crise, uma pequena crise. No meu entender, muito mais fantasia, a questão do coronavírus, que não é isso tudo que a grande mídia propala ou propaga pelo mundo todo".

Bolsonaro trazia em seu avião a fantasia muito concreta. Essa gente perde a razão, mas não o rebolado da truculência. Assim que Mônica Bergamo informou que o secretário de Comunicação havia feito o exame para testar a eventual presença do vírus, o próprio foi ao Twitter e disparou a seguinte delicadeza: "Em que pese a banda podre da imprensa já ter falado absurdos sobre a minha religião, minha família e minha empresa, agora falam da minha saúde. Mas estou bem, não precisarei de abraços do Drauzio Varella."

E, então, chegou a hora do terceiro vexame. O presidente dedicou ontem 15 dos 18 minutos da sua habitual live das quintas-feiras à expansão do coronavírus no Brasil. Acompanhado do ministro da Saúde, Luiz Mandetta — ambos de máscara, a exemplo da intérprete de libras —, falou dos cuidados necessários, evitando repetir a estupidez dita em Miami. 

Logo depois, entrou em cadeia nacional de rádio e televisão — a segunda vez em menos de uma semana (a outra aconteceu na sexta passada, dia 6) — para tratar do mesmo. E o fez num pronunciamento de 1 minuto e 50 segundos. Nas duas oportunidades, pediu a seus seguidores que suspendessem os protestos marcados para domingo em favor do fechamento do Congresso e do Supremo.

Obviamente, Bolsonaro não se referiu nesses termos à patuscada que estava sendo armada. No pronunciamento oficial, disse:
"Queremos um povo zeloso e atuante com a coisa pública, mas jamais podemos colocar em risco a saúde da nossa gente. Os movimentos espontâneos e legítimos marcados para o dia 15 de março atendem aos interesses da nação, balizados pela lei e pela ordem. Demonstram um amadurecimento da nossa democracia presidencialista e são expressões evidentes de nossa liberdade. Precisam, no entanto, diante dos fatos recentes, ser repensados. Nossa saúde e de nossos familiares devem ser preservadas (sic). O momento é de união, serenidade e bom senso. Não podemos esquecer, no entanto, que o Brasil mudou. O povo está atento e exige de nós respeito à Constituição e zelo pelo dinheiro público. Por isso, as motivações da vontade popular continuam vivas e inabaláveis."

Já tinha insistido na ladainha da legitimidade das manifestações na sua live. O texto não deixa a menor dúvida de que o Planalto era a mão nada invisível que balançava o berço dos fascistóides. Ora, é claro que as pessoas têm o direito de se manifestar em favor disso e daquilo. É uma conquista da democracia, contra a qual Bolsonaro lutou bravamente. Não faz tempo, um de seus filhos especulava sobre as virtudes da volta do AI-5 para conter protestos de... esquerda — claro!

Qualquer manifestação, no entanto, expressa valores democráticos, por mais elástica que seja essa tal democracia? A resposta, obviamente, é "não". Os habitantes do Bolsolavistão iriam para as ruas justamente para cobrar, vejam que coisa!, o fim da democracia. E, como se nota, com patrocínio político do senhor presidente.

Na live, de modo mais informal, ele não deixou a menor dúvida: "Já foi dado um tremendo recado ao Parlamento", sugerindo que se organize o protesto "daqui um mês, dois meses". Alguma dúvida?

Ainda que de modo mais manso, e devidamente mascarado, o presidente cometeu, mais uma vez, crime de responsabilidade, segundo dispõe o Inciso II do Artigo 85 da Constituição: constitui crime de responsabilidade atentar contra o livre exercício dos Poderes. E tal crime está devidamente tipificado na Lei 1.079, a do impeachment. Bolsonaro, diga-se, é o maior colecionador de crimes dessa natureza nos 70 anos de existência da lei.

O presidente suspendeu, ou adiou, os protestos que ele mesmo convocou. No seu caso, até que o coronavírus foi bastante camarada.

Por Reinaldo Azevedo

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