sexta-feira, 20 de março de 2020

Outono chega com janelas e sacadas a gritar país afora: "Fora Bolsonaro!"


Imagem de Bolsonaro com máscara fazendo as vezes de venda é projetada em prédio no bairro de Santa Cecília, em São Paulo, durante panelaço e buzinaço contra o presidente  - Reprodução

Houve mais um panelaço, com buzinaço, contra Bolsonaro em bairros de São Paulo nesta quinta.

As noites, tudo indica, serão menos solitárias do que se anunciavam. Tão logo os brasileiros percebem que o Sol está para se pôr — ou que, já coberto de nuvens, emitindo uma luz baça, vai se aninhar de vez nos pélagos do nada —, então vem a vontade irrefreável de ir para a cozinha, pegar aquela velha panela amassada por outros carnavais e ocupar os terraços e sacadas com a percussão indignada. 

Esquerdistas, centristas, direitistas liberais. Até quem sabe alguns reacionários arrependidos...

Não importa! Neste março da melancolia enclausurada, das alegrias reprimidas, das tristezas adiadas, descobriam-se duas palavras que podem compor uma espécie de frente ampla: "Fora Bolsonaro". E até se dispensa a vírgula. Porque, em verdade, não há aí a intenção de um vocativo. Nem pedido nem ordem. Como no título de uma peça antiga, é um grito parado no ar que se põe em movimento.

O Verão se despediu aqui em São Paulo com chuva. Os dias se mostraram cinzas e mais frios do que a média. Chegou nesta sexta o Outono sem abraços. Amigos bebem a prudente distância, sem dividir garrafas, sem tombar a taça sobre a toalha branca com escusas envergonhadas diante do olhar compassivo da cumplicidade: "Ele sempre faz isso..." Sem rir à larga. Não se voltará tão cedo ao aconchego. A felicidade de uma gargalhada solta pode ser uma bomba de vírus a contaminar os afetos. Não é hora de amparar lágrimas.

E então nos lembramos do líder que, depois de aterrissar no país trazendo (por enquanto...) em sua comitiva 21 contaminados pelo coronavírus — um 22º ficou nos EUA —, resolveu cair nos braços de seus apoiadores, fazendo pouco caso do mal que assolava o mundo e já havia chegado ao Brasil. Atacou os governadores que ousavam tomar providências; comportou-se como o fatalista trágico da vida alheia, a dizer, sem preocupação ou empatia, que muitos iriam mesmo se contaminar porque assim são as coisas; atribuiu os temores sensatos à "histeria" da "grande mídia"...

Sim, o vírus ameaça, empobrece, separa, entristece. E pode matar. Já está matando. Nada de bom se pode dizer sobre ele. Mas também é inegável que se experimenta — e isso não era necessário — a "educação pelo vírus". Aquele que o ministro Luiz Mandetta chamou "o Grande Timoneiro" da luta contra a Covid-19 havia se comportado como um fanfarrão irresponsável, certo de que "o vírus chinês", como o classifica a extrema-direita, é parte de uma grande conspiração, liderada pela China, contra o Ocidente cristão. Para quem não registrou a ironia: "Grande Timoneiro" é a antonomásia empregada para designar Mao Tsé-Tung, o líder da revolução comunista chinesa...

O presidente que não acreditava no vírus despejou 21 contaminados no país. Como ironia pouca é bobagem, três deles são seus ministros; um quarto responde por sua segurança; um quinto é seu ajudante de ordem; um sexto responde pelo cerimonial... O Brasil atingiu o número de 50 contaminados apenas na quinta-feira, um dia depois de ele voltar ao país. No dia 15, domingo passado, com algo em torno de 100 casos registrados, ele partiu para a arruaça e ainda desafiou os respectivos presidentes da Câmara e do Senado a fazerem o mesmo.

Neste dia 20, o Outono começa com 621 casos confirmados (números desta quinta). Em três dias, sete pessoas morreram. A contaminação comunitária já é uma realidade em São Paulo, Rio e Minas. Bolsonaro acreditou que a vida de milhões de brasileiros poderia ser definida em mais uma de suas guerrinhas estúpidas na Internet. Na quarta-feira, um de seus filhos resolveu abrir guerra contra a... China!

É por isso que os terraços e as sacadas outonais podem revelar uma nova expressão da vida comunitária, ainda que por um bom tempo sem abraços. O "Fora Bolsonaro" tem tudo para ser uma palavra de ordem a unir os brasileiros que se cansaram de grosseria, vulgaridade, estupidez, burrice, vigarice intelectual, truculência e respostas simples e erradas para problemas difíceis.

Alguns sempre souberam disso. Outros estão arrependidos. São divergências para quando não abraçar o outro voltar a ser um ato de vontade.

Que falem os terraços e sacadas!

O Outono de 2020 será o outono da extrema-direita fascistoide.

Por Reinaldo Azevedo

Nenhum comentário: