Mixurucas no tamanho, as manifestações deste domingo tiveram um gigantesco significado político. "Não tem preço", reagiu Jair Bolsonaro ao confraternizar com apoiadores. Engano. Haverá um preço. E ele será alto.
O governo enfrenta um par de crises: a pandemia do coronavírus e o raquitismo do PIB. O bom senso recomendaria que o presidente buscasse aliados e evitasse brigas. Deu-se o oposto.
Bolsonaro achou que seria uma boa ideia associar-se a uma manifestação de conteúdo golpista, com ataques ao Judiciário e, sobretudo, ao Legislativo. Descobrirá nos próximos dias o seguinte: pior do que duas crises, só três crises.
Num esforço para imunizar a debilitada economia brasileira contra os efeitos devastadores do coronavírus, o ministro Paulo Guedes (Economia) cobra do Congresso a votação de reformas. Faltou combinar com Bolsonaro.
Os parlamentares já haviam reagido mal às cobranças de Guedes. A adesão do presidente aos atos em que dirigentes do Legislativo foram tratados como pixulecos da temporada não ajuda a dissolver as resistências.
Bolsonaro chegou ao Planalto carregado por quase 58 milhões de pessoas. Nem todos os eleitores do capitão são golpistas. Mas todos os golpistas votaram nele. Foi esse pedaço do eleitorado de Bolsonaro, o pior pedaço, que desceu ao asfalto.
Mesmo os bolsonaristas mais atávicos são obrigados a reconhecer que o Congresso entregou ao governo uma reforma da Previdência melhor do que a encomenda. Fez isso sob hostilidade de Bolsonaro.
Imaginou-se que o país viveria uma fase benfazeja, com a aprovação de novas reformas —sem mensalões nem petrolões. Mas Bolsonaro substituiu o presidencialismo de cooptação pelo governo de trincheira.
Em resposta, o Legislativo levou a irresponsabilidade fiscal às fronteiras do paroxismo. Capturou R$ 30 bilhões do Orçamento. Sob refletores, o governo foi à mesa de negociações. À sombra, o presidente detonou seus negociadores.
Puxa daqui, estica dali, o general e ministro palaciano Augusto Heleno forneceu gasolina à ala golpista do bolsonarismo. "Chantagista", disse ele sobre o Congresso, antes de arrematar em grande estilo: "Foda-se!"
Por ora, fornicou-se apenas o interesse público, pois os congressistas responderam à hostilidade explodindo no colo de Bolsonaro uma pauta-bomba de R$ 20 bilhões. Dinheiro que não existe nos cofres do Tesouro Nacional.
Com sua movimentação deste domingo, Bolsonaro pode ter transformado o que seria o seu março negro num resto de mandato sombrio.
O deputado Marcelo Ramos, presidente da comissão que colocou em pé a versão de reforma previdenciária aprovada pelo Legislativo ano passado, sinaliza o que está por vir.
"A ida do presidente às manifestações deixa claro que ele não tem nenhuma responsabilidade com a agenda econômica do país", disse o deputado. "Se tivesse, estaria procurando unir o povo em torno dela e não dividir o povo em torno de pautas antidemocráticas e secundárias."
Marcelo Ramos acrescentou: "Bolsonaro se entrincheira no seu gueto de radicais, que é cada vez menor, já que ninguém com o mínimo de bom senso pode continuar acreditando nisso como um caminho razoável para o desenvolvimento e o futuro do país."
Ao abrir o expediente na pasta da Economia nesta segunda-feira, Paulo Guedes continuará pressionado pelas duas emergências que o assediavam na semana passada. E ainda terá de lidar com um terceiro desafio.
O ministro da Economia terá de levar à vitrine medidas emergenciais contra os efeitos tóxicos do coronavírus. Precisa renovar seus argumentos em favor do destravamento das reformas no Congresso.
Como se fosse pouco, Guedes terá de lidar com um Bolsonaro que decidiu dar de ombros para as recomendações médicas sobre o coronavírus para se isolar numa quarentena com o golpismo.
O preço político do isolamento será alto. Num país que ainda convive com quase 12 milhões de desempregados, Bolsonaro logo descobrirá que golpes retóricos não criam empregos. Mas será tarde demais.
Por Josias de Souza
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